segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Nenê preta

Foi assim! Quando nasci não pedi essa braveza.
Algo que herdei de longe pra talvez perder aqui perto, não sei!
Um bebê amado, constrito com o vigor d'eu mesma. 
Cheguei nessa terra que parece gostar mais e favorecer os claros.
Virei e sou Nenê Preta.
Outros nenês chegaram no mesmo momento mais alvos.
Minha não claridade nunca me fez menos macia de cútis e principalmente de afetos.
Porém sempre de poucos deslumbres. E quase que totalmente não desfrutável. 

Na medida em que a vida passa e passa. A maldade dela me fortalece. 
Sou capaz de enfrentar os rojões que iluminam céus escuros e que insensivelmente não reduziram essa cor tão forte que tatuou minha pele desde que nasci.
Odeio! Uma série de coisas em segredo. Alguns silêncios podem ser redentores.
Desde pequena nunca disseram meu nome. Sou então: Nenê Preta.
Ajudo minha família com dinheiro ganhado de forma honesta, desde de muito cedo.
Num ponto que você não imagina.
Antes que percebesse fui trabalhar em casa de família. 
Lavando banheiros brancos, cozinhando, limpando e alvejando as casas mais ricas.
Sei lá o que aconteceu? Tenho meus princípios. Mantenho certa distância.
Não suporto dó.
 Não sou aleijada.
Não suporto desrespeito nem da minha família.
Em cidade pequena a gente caminha fácil pra lá e pra cá.
As vezes durmo na casa deles.
Dormir em casa de patrão é duro acaba que nunca estamos de folga. Prefiro voltar pra casa.
Aliás minha casa é simples; Mas grande, no meu quarto posso dormir pelada ninguém me enche o saco.
Muitos anos se passaram.
A vida foi dura conosco. No caminho pra cidade, nossa mãe e irmãos não tiveram tanta sorte morreram lá naqueles matos antes que o sonho de mudar se realizasse e na vinda pra cidade ficamos só eu e Papai.
A casa é nossa bem grande vivemos só nós dois.
Vou em cinco minuto a pé da casa onde trabalho até lá.
Dormir lá pra quê?
Papai tem que ser cuidado, sua aposentadoria é muito baixa. As vezes tenho a impressão que vivemos até melhor do que aquela gente rica onde trabalho.
Nossa casa é tão limpa e organizada como a deles, sem o luxo de lá; Mas, com mais beleza e jeitinho. 
Posso falar? Gosto de dançar. Sim vou na missa. Já fui nos cultos dos crentes são gente mais parecida com a gente.
Mas os católicos são mais "chics" parecem meus patrões. Eu prefiro.
 Na macumba só vou quando preciso parar de ter pesadelos ou pra conseguir coisas difíceis, sem contar pra ninguém.
Você sabe né? Não pega bem.
Gostaria de controlar essa raiva e braveza que vem de dentro.
Tenho vontade de bater na maioria das pessoas. Me controlo.
A gente da cor não pode dar motivos pra falarem de nós.
Sim!
Por que sempre falam e nos apontam. E como nos apontam.
Vou no bailão todo fim de semana.
Como adoro os homens!
Danço com vários deles. 
Alguns até sinto o pau duro nas minhas coxas. 
Com alguns até transo; Mas não sou mulher de qualquer um.
O samba e o forró me enlouquecem tanto que tenho vontade de dançar até o fim dos tempos.
Como cuido de pai e trabalho na casa do Japonês marido da loira dondoca, gente muito rica.
Tenho que me preservar, todo mundo me conhece.
Sei que preciso controlar meu temperamento.
Sou brava,saio sambando no carnaval na escola de samba da pernambucana minha amiga que morou  no Rio, não c conheço o Rio. Sambar é uma coisa que me alegra e me acalma o ano todo.
Aceitei desde pequena ser a Nenê Preta; mas não precisavam todos me chamarem assim.
Qual é o meu nome alguém sabe?
Já não ligo mais!
Sou a Nenê mesmo.
Estou vendendo nossa casa.
Meu pai morreu de velho, ela é uma casa grande modesta num bom terreno no centro da cidade que vale mais que a construção (casa de preto).
Meus descontroles são meu estilo, um dia destes pouco antes da sua morte. Bati nele pois ele disse que eu era biscate.
Não me arrependo.
Todo meu martírio!
Cuidando dele sozinha todos esses anos?Trabalhando na casa dos ricos e transando pouco nos bailões sem levar ninguém pra dentro de casa.
Meus patrões! O japonês rico e a loira mimada. Chegue lá! Depois de anos de cumplicidade pra desabafar com eles o meu mal estar que vivi depois da desavença com papai; e eles brigando por razões fúteis. não me deram a minima , e olha que depois de tanto tempo de "intimidade" foi a primeira vez que precisava que eles me ouvissem e me aconselhassem.
Não me controlei.
Bati nos dois também. 
Sou além de brava forte de corpo.
O casal por sua vez me perdoou e resolveram as pendências matrimoniais, me pagaram uma grana, eu fui embora.
Hoje vivo modestamente bem.
Adotei uma menina branca, minha filha, aliás nunca pari.
Menina que cresce bonita e educada e que nunca será chamada de Nenê. Aliás já bati em gente que tentou se referir à ela como negra. Nenê Preta.


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