Cachorrio
Pior que perambular pelo mundo,
ruas e pessoas sem lugar certeiro ou ponto de chegada.
È ser um cão sarnento,
que vagabundamente tornou-se incapaz de despertar qualquer tipo de compaixão,
mesmo no mais desprezível dos seres viventes. Sendo assim indigente de sua
própria condição de melhor amigo do homem (da mulher, da criança ou de um
simples vagabundo).
Até ter um campo de visão
aparentemente baixo, ver o mundo da perspectiva de um cão não me é humilhação
nem restrição, não!
Este ponto de vista, esta condição de nobreza me revela um
mundo destravestido de seus artifícios e disfarces.
E os cheiros são capazes de
me responder muitas vezes antes que o próprio som, e é neste ponto que reside
minha nobreza.
E como é bom ser escolhido
por alguém para lhe demonstrar amor toda vez que nos reencontramos, para ser
por esta pessoa alimentado, afagado e dessa forma poder lhe retribuir se
irritando ou até mesmo brigando por ela certo da sua defesa e da manutenção da
sua integridade.
Mesmo que integridade não seja a coisa mais importante ao seu
dono.
O lobo andou em bandos pelas
matas, serras e planíces altivos e implacáveis apresando todo tipo de carne
possível de ser degustada em banquetes insanos e assustadores, o que lhe rendeu
a má fama de anjo da morte, besta fera, alma gêmea do diabo, satanás, coisa
ruim ou simplesmente cão
Onde esta o cão, O que ou quem é o cão? Qual a
diferença entre o cão e o cachorro?
O engraçado nesta história
toda é que quando indesejado, ou seja, quando tomado do meu espírito natural de
não atender os comandos nem interesse de nenhum dono sou tratado como cão; mas
por outra quando me entrego ao jogo da obidiência me deleito de seu afeto e me
torno seu cachorro, até mesmo sua cachorra, pois cadela no Brasil tem um significado
depreciativo até no tratamento com os animais.
Numas dessa tardes
acompanhava meu dono num desses parques onde ele estende as mãos como Francisco
e suplica pela caridade de impios. Lá soube através de um cão chinês que nas suas bandas, existe uma lenda que diz que o cachorro morre para renascer
como gente.
Vê se tem cabimento uma coisa dessas se tivermos que renascer que
seja numa forma de vida mais limpa.
Um outro cão, esse de um padre, contou-me
que o celebre sermão de são Francisco de Assis foi feito num cair de tarde e na
medida que as pessoas o deixaram falando sozinho ele se indignou e dirigiu suas
palavras a corvos, cobras e urubus que ali se encontravam naquele mesmo
instante, quando soube desta história retruquei com orgulho afirmando: Com
certeza algum cachorro estava lá representando todos os cães neste momento tão
sublime da cristandade.
Por que o amor tem que ser
algo tão difícil? Embora veja muito amor entre seres humanos e animais, sou obrigado
a reconhecer que nenhum amor me chama mais atenção que o amor de um cão e de um
miserável, amar na pobreza isso é entrega incondicional, da outra forma seria
fácil.
Esse sim é amor fiel e forte, mais forte que voto de pobreza dos
franciscanos, mais forte que a atração que os intelectuais de esquerda têm
pelos pobres, mais forte do que todas as surras que a mulher de malandro
precisa para continuar lhe amando, mais forte do qualquer evocação do pastor
disposto a tirar o cão de seus concidadãos.
Se revelando nos dias atuais como
uma grandiosa verdade que insiste em contrariar tudo que nos rodeia de terror e
desencanto.
O amor de um miserável pelo seu cão ou vice versa pode ser a maior
demonstração da mais monstruosa forma de amor em tempos de caos e guerra.
Pedro
Guimarães