quarta-feira, 13 de junho de 2012

CACHORRIO


                                                             Cachorrio


 
(AGUARDEM, FUTURA INSTALAÇÃO A PARTIR DESTE TEXTO E DESENHO NO CENTRO DE  SP)
                                                          
               Pior que perambular pelo mundo, ruas e pessoas sem lugar certeiro ou ponto de chegada. 
È ser um cão sarnento, que vagabundamente tornou-se incapaz de despertar qualquer tipo de compaixão, mesmo no mais desprezível dos seres viventes. Sendo assim indigente de sua própria condição de melhor amigo do homem (da mulher, da criança ou de um simples vagabundo).
             Até ter um campo de visão aparentemente baixo, ver o mundo da perspectiva de um cão não me é humilhação nem restrição, não!
 Este ponto de vista, esta condição de nobreza me revela um mundo destravestido de seus artifícios e disfarces.
 E os cheiros são capazes de me responder muitas vezes antes que o próprio som, e é neste ponto que reside minha nobreza.
                   E como é bom ser escolhido por alguém para lhe demonstrar amor toda vez que nos reencontramos, para ser por esta pessoa alimentado, afagado e dessa forma poder lhe retribuir se irritando ou até mesmo brigando por ela certo da sua defesa e da manutenção da sua integridade.
    Mesmo que integridade não seja a coisa mais importante ao seu dono.
                  O lobo andou em bandos pelas matas, serras e planíces altivos e implacáveis apresando todo tipo de carne possível de ser degustada em banquetes insanos e assustadores, o que lhe rendeu a má fama de anjo da morte, besta fera, alma gêmea do diabo, satanás, coisa ruim ou simplesmente cão
 Onde esta o cão, O que ou quem é o cão? Qual a diferença entre o cão e o cachorro?
                   O engraçado nesta história toda é que quando indesejado, ou seja, quando tomado do meu espírito natural de não atender os comandos nem interesse de nenhum dono sou tratado como cão; mas por outra quando me entrego ao jogo da obidiência me deleito de seu afeto e me torno seu cachorro, até mesmo sua cachorra, pois cadela no Brasil tem um significado depreciativo até no tratamento com os animais.
                      Numas dessa tardes acompanhava meu dono num desses parques onde ele estende as mãos como Francisco e suplica pela caridade de impios. Lá soube através de um cão chinês que nas suas bandas, existe uma lenda que diz que o cachorro morre para renascer como gente.
 Vê se tem cabimento uma coisa dessas se tivermos que renascer que seja numa forma de vida mais limpa.
 Um outro cão, esse de um padre, contou-me que o celebre sermão de são Francisco de Assis foi feito num cair de tarde e na medida que as pessoas o deixaram falando sozinho ele se indignou e dirigiu suas palavras a corvos, cobras e urubus que ali se encontravam naquele mesmo instante, quando soube desta história retruquei com orgulho afirmando: Com certeza algum cachorro estava lá representando todos os cães neste momento tão sublime da cristandade.
                     Por que o amor tem que ser algo tão difícil? Embora veja muito amor entre seres humanos e animais, sou obrigado a reconhecer que nenhum amor me chama mais atenção que o amor de um cão e de um miserável, amar na pobreza isso é entrega incondicional, da outra forma seria fácil.
 Esse sim é amor fiel e forte, mais forte que voto de pobreza dos franciscanos, mais forte que a atração que os intelectuais de esquerda têm pelos pobres, mais forte do que todas as surras que a mulher de malandro precisa para continuar lhe amando, mais forte do qualquer evocação do pastor disposto a tirar o cão de seus concidadãos.
Se revelando nos dias atuais como uma grandiosa verdade que insiste em contrariar tudo que nos rodeia de terror e desencanto.
 O amor de um miserável pelo seu cão ou vice versa pode ser a maior demonstração da mais monstruosa forma de amor em tempos de caos e guerra.



Pedro Guimarães

MARQUINHOS



                                        
Pobre marquinhos! Desde pequeno já percebiam, não sei se por maldade ou pura falação, que algo ali não havia se formado direito! Faltou algum tempero antes de fechar a panela, talvez um parafuso a menos na cabeça, qualquer coisa nesse sentido. Os vizinhos sempre percebem primeiro, parece que são assim para não verem o que acontece dentro da suas próprias casas.
 O menino trouxe luz e felicidade aquele lar. Filho de um casal que de tão velhos que eram acreditavam não mais serem capazes de gerar criança, e de fato já tinham idade avançada quando aquela gravidez despontou, em total estado de graça agradeciam a deus  abençoados por uma espécie de milagre bíblico, Dona Patrícia e seu Osmar  estavam aéreos de tanto  arrebatamento, pareciam rejuvenescidos quando o rebento surgiu.
Conforme o menino crescia a vizinhança na sua mordacidade já comentava que o menino não batia bem. Coisa que talvez nunca tenha sido verdade a não ser pela vontade destes vizinhos de elegerem uma criança no bairro, para ser o louquinho oficial.
 Não sei! Se marquinhos nasceu "tantan" , como comentam seus algozes ou; sucumbiu-se a situação por sugestão de tanta gente falando e torcendo para que isso acontecesse.
 Chegavam até a proibir as outras crianças de brincarem com o pobre, que foi crescendo só e cada vez mais isolado em si mesmo.
 Pouco subiu em arvore, não soltou pipa, não fez troca-troca mas aprendeu a andar de bicicleta e a manusear o computador, cresceu junto com o avanço da informática e esse era seu maior trunfo.
Nos conhecemos em um escritório na Santa Cecília, me assustava um pouco com ele mas era amigo e divertido, logo nos tornamos amigos.
 De uns meses para cá obstinou-se com a ideia de casar-se pois passou dos quarenta, vive dizendo que é uma preocupação constante aos pais, que já estão octogenários temendo a morte sem que Marquinhos esteja no conforto e segurança de sua própria família.
Ele então começa a pedir-me sugestões sobre possíveis parceiras, mulheres que ele conhece via internet, todas muito alvas, loiras e com um certo ar de "interesseiras". 
Não tenho coragem de falar muito,digo a ele apenas; que procure um outro perfil de mulher mais próximo da realidade.
E foi neste momento que ele, mesmo com toda a sua fragilidade, diluiu um veneno que eu não imaginava dele ouvir, disse-me:
"Fui criado pra me relacionar com gente de alta sociedade, papai e mamãe nunca me perdoarão se não me casar com mulher branca ,de cabelo liso e olhos claros, é a única possibilidade de ser bem sucedido,se não for assim é roubada"
Eu não acreditava no que acabava de ouvir, um sujeito exposto a todo tipo de assédio moral e discriminação, vomitando um papinho vagabundo deste.
 Fiquei na minha, me distanciei um pouco esfriando nossa amizade.
Algumas semanas mais tarde ,encontrei-o querendo brigar dentro de um bar cheio de "machos sem vergonha", pois enquanto ele tomava seu café com leite no balcão, um dos bêbados sugeriu que ele fosse "viado", tirei-o de dentro local caminhando com ele alguns quarteirões confortando-lhe repetindo várias vezes a seguinte frase:Não, você não é gay! 
Até que Marquinhos foi se acalmando partindo para sua casa.
Qual foi minha surpresa? Alguns dias atrás neste mesmo bar onde ofenderam Marquinhos, o balconista me contou que Marquinhos começou o namoro  com uma frequentadora de lá.
 Traveca, mulata, de cabelão (pintado de) loiro ,  moça que não se prostitui, trabalha na enfermagem e fala inglês.
 E o mais surpreendente, segundo o rapaz, Marquinhos disse que decidiu começar o namoro depois dos conselhos que eu havia lhe dado.
Senti-me uma espécie de sacerdote local, pregando no sentido de trazer luz e paz interior para intranquilos. Mas não me lembro de té-lo aconselhado a namorar travesti. 

                                    PEDRO GUIMARÃES