quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Verdadeiras mentiras


Verdadeiras mentiras    (Procure saber)...  
Sua jornada começa na passagem dos setenta para os

 oitenta, sim, sentiu uma necessidade gigantesca de ir 

embora.

 Aquela pequena cidade no sertão nordestino havia se

 tornado não mais o berço de toda sua cultura e formação
 de valores; mas um sítio de opressão e iniqüidade.




Com a venda da moto, que já lhe havia causado acidentes e
 machucados pegou um dinheiro pra chegar até Brasília.
 Onde o irmão mais velho não quis hospedá-lo obrigando
 esse adolescente a retornar pra casa dos pais.

Ele  por sua vez engana o irmão e ao invés da passagem de
 volta para o interior cearense, compra outra pra São Paulo e
 segue este seu destino.

 Quando alcança a fria, cinza e sombria São Paulo paga 
uma vaga numa das pensões dos Campos Elíseos (região
 da antiga e demolida rodoviária velha) triste e atual 
cracolândia.

Na época que Jailton chegou não existia o crack nem a 
Sida (AIDS) que não havia ainda sido trazida, pelo menos em grande escala, para nosso país.

O muro de Berlim estava em pé, a União soviética reinava 
soberana no lado leste, os militares no Brasil proibiam certos hábitos e assuntos.

A região onde Jailton “escolheu morar” ficava no meio dos estúdios de cinema erótico, erótico sim! Pois a pornografia como produção interna (estava proibida ainda pelos generais).

Ele curioso e esforçado foi fazendo todo tipo de trabalho braçal. Até conseguir emprego num teatro lá da boca do cinema, foi potencializando dotes artísticos  descobrindo habilidades com as mãos para desenho e modelagem.

Ganhava também um a mais na época de carnaval ajudando nos barracões de escola de samba fazendo carros alegóricos e fantasias.

Com o afrouxamento da tirania-ditadura militar surge um novo segmento de mercado no bairro do cinema erótico, o teatro de sexo explícito, como uma epidemia colorida doce de sonhos em noite de meia estação.

 Nosso amigo então é convidado a emprestar seu talento aos “artistas fodedores” que têm seu corpos besuntados e pintados todas as tardes e noites para transarem pra grandes plateias sob gritos, gemidos e uivos de aclamação.


O Brasil estava mudando o mundo estava mudando, havia mais otimismo naquelas salas; do que nos comícios das “diretas já”, que nas manifestações do sindicato solidariedade da polônia e até por que não dizer; mais entusiasmo eufórico naquelas salas do que as violentas passeatas contra o apartheid de Johanesburgo.

Naquele momento o mundo de Jailton parecia ter atingido a sua plenitude, a infância sofrida do sertão estava distante, a cidade grande havia lhe tornado artista. Preparava os corpos para o sexo diário.

Coisa que lhe sustentava com certo conforto e  possibilidades,  tinha como até enviar algum dinheirinho a cada três meses para sua mãe.

O ambiente de trabalho era mais divertido que a Disneylândia, grande profusão de xoxotas úmidas e pauzões duros de lá pra cá de cá pra lá, realmente, ele vivia o que nas suas orações mais secretas houvera pedido a deus.

Esse momento foi tão importante em sua vida que até hoje nutre um desejo quase canibal uma antropofagia de querer transar com todas as pessoas que vê pela frente (principalmente os homens). Existe um brilho nos seus olhos e uma agudez nas mesmas sobrancelhas como da ponta da peixeira de um cabra, que chega até assustar os desavisados, mas nem por isso passível de ser classificada como desamor ou depravação.

Sua capacidade de amar é fome, seus desejos estão na eminência da mastigação.

Com dentes sempre afiados e prontos ao exercício de provar um pedaço novo de carne. Afinal de contas! O que é que tem? Querer amar tanto?

O legado das grandes religiões não diz: Amai-vos uns aos outros?

Um dia desses! Ele de tristeza transbordou.

Confessando a um amigo confidente, que apesar de toda essa necessidade de vida e gula ancestral. Ainda sofre com o fato de o pai ter lhe mandado embora de casa, quando flagrou ele com relações intimas com um irmão mais velho, e sofria não só por isso.

 Lembrou também de toda dor sentida no período que foi contra regra no teatro pornô; lavava sungas, pintava os corpos das mulheres, lambuzava os corpos dos varões com óleos, para um maior desempenho destes senhores que se excitavam na sua frente nas coxias, entrando em cena de pau duro sem nunca  deixarem ele dar uma usufruída, por menor que fossem em seus sexos.

 Essa tortura lhe feriu mais do que se tivesse sido torturado nos porões da ditadura que também se encontravam no mesmo bairro.

 Embora ninguém comentasse e muitos até nem soubessem.


Foi num porão bem próximo ao teatro onde Jailton trabalhava que caudilhos esquerdistas padeceram sob tortura, enquanto a cantora Gretchen era apresentada ao Brasil como rainha do rebolado, silenciando seus gemidos de dor e contestação com seus gemidos de lascivia e gozo.


Jailton hoje talvez tenha superado a tortura da qual foi vítima no final da ditadura brasileira; embora preferisse ver a “dita dura” sofreu com a “dita mole”; vivia e trabalhava no bairro onde a polícia política torturava os insurgentes teve sua dor maculada a outra forma de tortura. Pra ele mais cruel ainda.O não acesso as carnes que preparava no teatro pornô; mas aprendeu a perdoar.

Conseguiu atingir seu objetivo, é um artista famoso hoje, contrário as biografias não autorizadas. Quando questionado a esse respeito, indaga com uma única questão: Você no meu lugar deixaria?                                       



                                         Pedrão Guimarães