segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Quando criança queria ser médico.

...Só não foi embora a necessidade de ser leve apesar de tanto peso nas costas... Com óculos escuros de Cartola. Max de Castro.

       O grande Cartola tinha aquele nariz necrosado por um erro médico. O tal médico médico lhe atendia quase de graça ou de desgraça; Proibiu-lhe de contar sobre o erro do qual foi vítima. E ele acatou a condição pacto que lhe marcou a vida toda.
   
   Pedreiro que escrevia com requinte e profundidade de catedrático. Será que no seu mais profundo não se aplacava de uma  dor, destas que consomem até a alma. Comediu maiores ódios e vinganças e foi Cartola. Gostaria que alguém me respondesse se no mais profundo de suas grutas interiores, não gostaria de restituir a beleza do seu nariz. Nariz que o acompanhou até a morte.
       Morrer é resignar-se a condição maior da vida ou quem sabe renascer pra outra vida melhor?
       Os óculos e o nariz necrosado foram as marcas principais do seu rosto. Sua poesia, singela música fez história, é vida  e se transforma até mesmo pra quem não ama sua própria.
       Um nariz tão preto quanto aquele não é negro!
       Tragédias cariocas são bem compreendidas por quem sofre e sofreu como Nelson Rodrigues, falso nordestino negador de sua  pernanbucanidade, sagrando-se carioca observador ressentido de sua não santidade. Também tenho no corpo marcas que involuntariamente herdei da medicina .No momento também me calei; Não havia o facebook para se denunciar.Tento controlar meus ódios e rancores. Por que amar é tão mais difícil?

                                                              Pedrão Guimarães
        

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Meu nome é Flávio...

Foi ontem que ele não soube informar onde moro
O telefone tocou era minha visita que requisitava o endereço
Percebi que se tratava de um descompasso com o porteiro novo
Aliás, poderia dizer que gostaria de saber onde os recrutam; mas sei!
Emergem dos arrabaldes do esquecimento, de onde ninguém gostaria de morar.
Onde tantos moram, convivem, comungam e copulam
Onde a pobreza e o abandono sintetizam o colorido das cores
Com todas as crianças desembestadas e barulhentamente cerelepes
Bem provável que Flávio, é esse o nome do novo porteiro, tenha vindo de um lugar mais ou menos assim.
Se mais pra mais ou pra menos, não sei?
O que percebo é que sua proximidade recente conosco ainda não o contaminou de insensibilidade e cinismo.
Ainda mantém uma postura cabisbaixa, sofrida subserviente.
Até quando. Vai depender do seu temperamento e do contato conosco
Mas percebo também uma tristeza no seu semblante, tristeza essa daqueles menos requisitados do que ainda desejados
Esperançosos de encontros e afetos tão invisíveis como moradores de rua
Sábado conversando com um engraxate na cracolândia este contou-me que quando morava nas calçadas certa vez dormia embaixo de chuva com três cobertores. Na medida em que a chuva apertou apareceram mais três e ele deu seus  cobertores para os outros "mavãs" poderem dormir, até mesmo por que havia uma senhora bem idosa entre os recém chegados; e que só fez isso por que estava bem doido de cachaça e drogas não sentindo o frio daquele momento.
Me espelhei nessa história para entender a piedade que senti do nosso novo porteiro. Talvez se estivesse na sobriedade careta e aconchegante do cobertor que me aquece quando o mirei pela primeira vez
, não teria reparado no semblante triste e caído do seu rosto.

Pedrão Guimarães


sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Carnaval de razões

       

       Eram tempos loucos aqueles, pelo menos três vezes por semana o mesmo grupo ali, naqueles três bares em frente ao grande cinema de rua um dos poucos que não virou nem cine pornô, estacionamento ou templo evangélico.
      Ali se colocava a prova toda informação política, artístico-filosófica e boataria é lógico; O que seria da inte
ligência sem um pouco da boa e velha fofoca?
       Pelas razões mais diversas uns sumiam outros apareciam, era sempre surpreendente aquele lugar recheado de fatos, envolvido em relatos mais ou menos ortodoxos que asseguravam uma brisa hedonista de exercícios libertários muitas vezes bastante perigosos.
       Alguns daqueles conhecidos padeceram de doenças oportunistas, constrangedoras, teve gente até assassinada. Lembrando me estarreço mas nem eu nem tantos outros que fizemos dali nossa praça não nos arrependemos nem haveríamos disso.
       Encontrei Lavinho um dia desses, depois de muitas gargalhadas perguntei sobre Marquinhos. Um arquiteto pequeno, falante e serelepe que a gente sempre  cruzava naquele pedaço.
       Esse tal Marquinhos sempre me intrigou. Era sabido que pertencia a uma família rica ali de higienópolis ou Pacaembu, sei lá? O que sei é que o cara era bem maluco falava como um oligarca paulistano; sem perder um sentido estético bastante e humano com relação suas observações sem arrogância, poderia ser tão duro quanto qualquer um de nós, sabíamos da sua condição de burguês por que os entregadores de comida de um dos bares conheciam sua casa e família e nos relataram que se tratava de gente com muita grana.
       Conversei poucas vezes com ele; Mas sempre a conversa aconteceu repleta figuras de linguagens  e de imagens bastante agradáveis e engraçadas. O que me parecia curioso era o fato dele ter um tom de pele assim negro claro, uma coisa mulata, e ser da alta burguesia paulistana. Não nos habituamos nem a ver nem imaginar pessoas assim nestas condições.
       Nunca o indaguei com relação a sua cor. Seriam negros ancestralmente enriquecidos? Filhos ilegítimos ou adotivos da burguesia? Descendentes de estrangeiros? Golpistas? Nunca compreendi e principalmente nunca tive coragem de perguntar.
       O interessante era que Marquinhos tinha descontração e afabilidade mas também nutria um ar fidalgo de quem teve acesso a bons tratos e boa educação, inclusive quem nos apresentou foi o Lavinho que eu sabia que já tinha sido exportador de madeira para os Estados Unidos  e que depois de perder um grande amor, desencantou-se  do arrojo para os negócios vivendo já naquela época com conforto mínimo de dignidade modesta, e com as memórias de quando foi rico. 
       Um ex rico e outro rico ainda, que me tratavam com muito respeito e carinho, não posso reclamar sempre foi muito legal encontrar com os caras eu não sentia nenhum tipo de pedantismo da parte deles em relação a mim; Muito pelo contrário parecíamos crianças juntos. Tudo era motivo de risos e deboches. Nem a discussão política destoava nossas idéias e conceitos.
       Passaram-se então quase 10 anos e perdi os caras de vista as cidades foram se tornando mais opressivas, violentas e desgraçadamente proibitivas. Dessa forma fiquei super feliz quando reencontrei o Lavinho  alguns dias atrás e ele contou-me sobre o paradeiro do nosso outro amigo.
       Marquinhos há uns oito anos atrás foi passar um carnaval no Rio habituado como sempre, a viajar dentro e fora do país  em ocasiões de festas e feriados. mas este carnaval lhe tatuou a carne com uma doce cicatriz, conheceu uma pessoa no Rio durante as orgias de Momo.
       Perdeu o controle e o senso individualista que o protegia, trouxe essa criatura pra São Paulo levando-a até a casa herdada onde vivia com os irmãos no bairro nobre.
       Na mansão sem discrição ou pudor reuniu os irmãos( que segundo me disseram são todos muito parecidos com uma única mulher entre eles) se pronunciando.
        Disse que aquele ali seria seu homem, marido, amante e amigo que os irmãos aceitassem a condição que estava sendo posta; pois era sem bem estar e felicidade que estavam em jogo, pois nunca ele houvera seus vazios interiores preenchidos por algo tão longo e grosso como neste momento.
       Os irmãos reuniram-se em volta de marquinhos em silêncio se mostraram dispostos a rever antigos valores morais tão enraizados e contrários a tudo aquilo que o irmão lhes trazia. Então Marquinhos viveu a sensação de maior exito que podia ter sentido e inesperadamente como alento e acalanto se ofereceram para abraça-lo era o começo de uma nova história. Então começaram a  espancar marquinhos expulsaram seu consorte da casa da família e internaram Marquinhos numa clínica psiquíatrica. Ninguém nunca mais soube ou viu Marquinhos.


Pedrão Guimarães         

terça-feira, 22 de abril de 2014

Teus olhos

Impassível cientista quando se apresenta em suas aulas de física.
Pai de família fundamentalista ao levar esposa e filhos à igreja Evangélica.

Nutre contra pontos e pontos de vista não tão lógicos , mais efusivos do que mecatrônicos.
Comenta Fidel e Luiz 16 com a mesma equidade.
Contestou Neidona a cozinheira gulosa, com o teorema: Viagra não é pastilha Neide!
Foi o primeiro a notar que Gorvagina a caseira despudorada corria pelos corredores sem as partes de baixo em seu pijaminha de algodão crú, quando a caixa de força estourou.
Percebeu antes também, que uma  das gêmeas vindas de Brasília tinha os falsos ataques epiléticos para ser carregada no colo por algum garotão bonito do terceiro ano.
Uma percepção de um Albert einstein ,um Thomas Edson um homem de ciência. Mas com um tom de pregador conduzindo seu rebanho cego prestes a se jogar num precipício.
Sistemático e ao mesmo tempo insano. Pelo menos uma vez por semana senta-se na  calçada da escola para conversar com "mendigos". Coisa que segundo ele lhe instrui mais do que a leitura diária de todos os periódicos jornalísticos, com um temperamento lívido e um sotaque neutro difícil de se compreender de que estado do país veio.
Descobri há pouco que esse emblemático senhor além de conhecer cinema de arte. Também coleciona discos de pornografia. Europeus, asiáticos, norte americanos e principalmente brasileiros. 
Disse-me que o "relaxo"  visto e ouvido na sua própria língua é muito mais excitante por isso prefere nosso cinema.
Anda preocupado nas últimas semanas com um primo aposentado que fica toda noite num bar em frente a uma boate de garotas de programa, tomando café com leite e gastando o dinheiro da sua gorda aposentadoria com essas senhoras. Embora o tal primo não beba álcool. Mesmo assim deixa a família em estado de alerta, principalmente depois que resolveu botar uma tinta preta petróleo no cabelo, tem gente que olha e comenta: "Esse tom de tinta" no cabelo? Isso é coisa de velho sem vergonha! Ele com toda sua parcimônia  só retruca: Envelhecer é arte de saber perder a vergonha na cara. Minha filha!
De um tempo pra cá o professor de física passou a conversar mais comigo, fala sobre esse primo, observa o descontrole das pessoas que trabalham conosco, em especial as mulheres, por quem reserva um misto de fascínio e desejos assassinos (controlados), pois é um homem fracionado  de denominadores comuns. 
Elogia muito a minha razão transgressora de tangenciar algumas situações.
Defende fanaticamente a tese de que Bin Laden só foi pego pelo exército dos Estados Unidos pois distribuiram viagra no deserto em troca de delação.
Passou a me presentear de três anos pra cá.
 Discos de filmes pornos. Os mais "cabeludos" que vocês possam imaginar, e eu por minha vez comecei a me incomodar.
 Não sou nenhum monge.
 Mas evito ficar vendo muita pornografia pois essas imagens acabam invadindo meus sonhos e prejudicando meu sono, que já não é dos mais tranquilos.
No natal retrasado  ele  já tinha me presenteado com uns trinta  títulos  (homem com mulher, surubas de todas as espécies, sexo com animais e muitas travestis casadoilas) que acumulavam-se aqui em casa.
Resolvi me aliviar de toda aquela loucura e presenteei dois porteiros e um eletricista daqui do prédio que são generosos, cordiais e gratos até hoje.
As pessoas trocam presentes no Natal e comem chocolate na Pascoa. O professor de física afirma que tais atos são vazios e mentirosos, sua empatia para comigo fez com que ele me presenteasse o ano todo com viveres bem mais verdadeiros, segundo ele.
Atualmente anda preocupado com uma "sobrinha", antigo sobrinho que abandonou a igreja e  os evangelhos para virar travesti. 
A família no momento encontra-se mais tranquila pois a "sobrinha" esta terminando um curso em uma faculdade de moda e já trabalha, numa confecção. Neste último almoço de pascoa "ela" fez um comentário que aterrorizou a todos:
 Adoro a profissão que escolhi, não preciso mais fazer programa! Mas as vezes dá uma saudade!!!
Quando o professor me contou essa seu episódio familiar, olhei para seu rosto e lembrei quem sua face me recorda. 
Sim! aqueles olhos. Havia tempo que eu tentava lembrar com o que pareciam. Hoje a memória premiou-me. 
São os olhos de "Rasputin". Temido feiticeiro do último Czar da Rússia. Que  hoje tem sua genitália exposta em vidro com formol em museu Russo.
 Uns viram os olhos de Betty Davis, outros as sobrancelhas de Cláudio Lembo alguns até a nudez da Wilza Carla mas eu vi os olhos de Rasputin.


Pedrão Guimarães

terça-feira, 18 de março de 2014

      Tristes belezas:-

       Foi através de uma fotografia atual que recebi pela internet que revi os dois, demorei um tempo para reconhecer; afinal são pessoas que convivi até meus distantes 17 anos e que nunca mais havia visto.
       Luís tinha uma deformidade no braço esquerdo bastante aguda, que atraía os olhos das pessoas para aquela parte do seu corpo. Que tentavam de toda forma disfarçar a repulsa, carregadas de compaixão, coisa que se constituía sempre como uma sensação de constrangimento e incomodo quando ele estava por perto.
       Tanto entre adultos como  entre os adolescentes. Esses aliás haviam aprendido não sei se por coação familiar, medo de castigo dívino ou se por comiseração mesmo? Nunca apontar, caçoar ou comentar em público o defeito de Luís; mas no íntimo de seus suplícios, delírios e fantasias secretamente o chamavam de “braço de sonata”.
       Luís possuía a percepção que sua pequena deficiência assombrava todos sem distinção de faixa etária, étnica ou social. Isso foi então moldando sua personalidade seu temperamento. Tornando-lhe monstruosamente cordial e gentil, foi a estratégia que assumiu para não ser destratado  e aceito.
       Trabalhador, obediente, gentil, educado, preto como a noite e com um sorriso mais alvo e largo do qualquer outra coisa que pudesse justificar sua própria existência.
       Implorando o amor das pessoas pelo simples fato de ter nascido. Sem o direito de nenhum deslize, nenhum erro, nenhuma sombra de vacilo.
       Construía uma reclusa e abnegada boa relação com todos. Como se comprasse com seus bons modos o direito de conviver entre “os normais”. Sempre teve prazer em viver. Seu sorriso mostrava isso, e todo o esforço seu tinha sua recompensa. Conseguia conviver com tantos e nem as crianças apontavam ou falavam de seu probleminha.
       Aos quatorze anos já trabalhava sustentando a mãe alcoólatra. Abandonada pelos dois irmãos mais velhos bem sucedidos materialmente. Um tal dono de oficina mecânica e o outro um tal dono de quitanda, que morriam de horror e vergonha do alcoolismo da mãe.
       Luís sempre forte e virtuoso tinha que ser assim, a vida não lhe dava outra escolha, e um colossal  sentimento de piedade equilibra tudo a sua volta e faz com que ninguém consiga lhe negar nada.
        Assim foi pra conseguir bons empregos, estudar e casar. Sim! Ele moço de princípios morais rígidos e católicos não se perdoaria se não conseguisse formar uma família.
       Essa semana vi sua doce e firme prole, lembrei-me de sua esposa, fizemos a sexta série juntos. Sempre calada, esquecida  quase invísivel. Os colegas comentavam que ela era "bobinha", não caçoavam mas também não a enxergavam, gerava em nós todos um sentimento de profunda tristeza e muita dó. Um tipo assim de compaixão arrogante que nos fazia sentir superiores e distantes.  
        Hoje estão casados. Luís e a menina triste do canto sala, que hoje sequer consigo lembrar o nome dela, vejo na mesma foto seus dois filhos parecem crianças felizes e saudáveis, mais claros que o pai. Mulatos. Pelo menos isso. Acredito que o alegre muito.
       Esse casamento se consumado com amor ou não?Nunca saberei e tampouco me importa! O que me alegra de certa forma é ver que duas pessoas esquecidas pelo simples fato de existirem se encontraram, e continuam a prolongar a vida por mais cruel e implacável que ela tenha sido com elas.
       Um sentimento perverso me faz pensar que os "pombinhos" foram induzidos a se casarem por algum tipo de associação externa que os aproximou e legitimou esse enlace (Como se faz em Japonês: Myai).        Coisa comum em pequenas comunidades onde aquilo que destoa e que possa tornar-se uma aberração, precisa ser tratado com distinção e um certo tom de compaixão; para quem sabe assim um dia possam garantir que esses tipos de criaturas não mais nasçam.
       A imagem da família de Luís com sua esposa que não lembro o nome e seus filhos mulatos, levam-me a pensar sobre minha própria razão de viver. Do quão mais alegres que eu possam ser mesmo sem toda as trangressões e regozijos que usufruo.
"Belezas são coisas acesas por dentro. Tristezas são belezas apagadas pelo sofrimento- Jorge Mautner"

Pedrão Guimarães
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terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Eu sei!


Confesso que sempre te amei.
Mas, você é puta que eu sei.
Pode falar também já trabalhei.
Você é puta que eu sei.
Te amo e nunca me incomodei.

Você é puta que eu sei.
Contigo sempre viverei.
Você é puta que eu sei.
Você cobrou do Ney.
Você é puta que eu sei.
Pode falar também já trabalhei.
Você é puta que eu sei.
Te amo e não me indignei.
Você puta que eu sei.
Tô nem aí pra sua amizade com gay.
Você é puta que eu sei.
É isso em você o que mais gostei.
Você é puta que eu sei.
Se você não disser. Também não direi.
Você é puta que eu sei.
Não amo ninguém como te amei.
Você é puta que eu sei.
Pode falar também já trabalhei.
Junto contigo viverei como rei
Você é puta que eu sei.  
 Pedrão Guimarães ou Gervásio Pústula (Num momento de maior exposição de entrega e amor)

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Palpitações de Matilde

Palpitações de Matilde (Que neste verão você tenha fruta gostosa pra comer, sorvete pra chupar e palmeira pra trepar).
       Sempre cozinhou bem, embora seu forte mesmo fosse juntamente com sua melhor amiga e algoz: Silvia.
        Siricutiar por velórios e leitos de enfermos, sempre dispostas a confortar convalescentes, doentes terminais, inválidos e familiares destes infortunados a melhor suportar e conviver com toda a dor destes momentos trágicos e tão pontuais de nossas vidas que não escapamos e menos ainda os desejamos.
        Duas mulheres negras e professoras quase aposentadas, moradoras do centro da fria e cinza São Paulo, habituadas ao caos urbano, mas sem nunca deixarem morrer em si a vocação para misericórdia, coisa que lhes foi ensinada na sua mais tenra infância. Uma do interior de Minas a outra do interior de Alagoas.
         Houve certa vez um comentário que retalhou suas almas no mais profundo de seus seres. Alguém disse que elas eram dois urubus a procura da carniça alheia; ficaram até algum tempo sem visitar nenhum moribundo ou morto.             Ressentidas de sofreguidão e lamentos, até que na medida em que foram se recuperando de tão aviltante e maledicente comentário foram retomando forças para continuar essa jornada dadivosa de entrega e devoção ao consolo dos outros.
          Silvia lembra algo um pouco mais razoável e equilibrado, no que diz respeito à sanidade; porém Matilde é muita emotividade regada a certo descontrole, com um certo charme de divas do cinema e da música, esta afastada da sala de aula. 
          Houvera sido espancada três vezes em escolas diferentes por alunos e certa vez até por uma dona de escola, assunto que gosta muito de recorrer, embora nunca consiga explicar com clareza o que realmente aconteceu nessas ocasiões e assim sendo vitimiza-se praguejando tudo e todos a sua volta por não conseguirem compreende-la.
         Silvia mais severa e sóbria. É quem tem maior inclinação para morbidez. Assisti religiosamente os noticiários mais sanguinolentos da TV, aquilo de certa forma a faz sentir-se mais feliz menos fragilizada. Possui uma destreza quase paranormal, uma espécie de faro, para descobrir um doente a ser visitado um defunto para ser rezado e chorado.
       Ela Silvia justifica seu apetite mórbido, afirmando que nos dias atuais as pessoas passam por tantos problemas com familiares envolvidos com o crack ou com o crime; que quando morrem não há entre os consanguíneos quem reze ou chore por estes, sendo assim importantíssimo o que elas fazem.
       A relação entre as duas não dou direito de ninguém julgar, muito embora às vezes se odeiem; mesmo assim é amor!
 Insólito, bruto e repleto de cumplicidades, até juraram entregarem- se uma a outra. Caso resolvam recorrer ao safismo no futuro (Sabueirice).
          Matilde prefere cozinhar Silvia gosta é de faxina.
          Silvia supervisiona e aponta as diretrizes da amizade das duas. Matilde aquece o delírio criando novas situações, assuntos e amizades. Se completam a sua maneira se gostam.
             Notei Silvia um tanto quanto só e entristecida, então perguntei o que tinha havido?
             Ela na sua desolação contou-me:
Ando preocupada com Matilde! E hoje em dia tem esse plano do governo de internação involuntária, né?
Você sabe que a família dela tem uma pensão lá na Nove de Julho, mudaram-se todos de volta para o interior de Minas. Aquela história que ela afirmou ter visto o cunhado dando banho no casal de gêmeos de pau duro, quase acabou com o emocional deles.
 Ainda mais depois que a irmã dela passou a ir naquela tal igreja de madrugada pra tomar o banho sagrado.
Acreditava que iria purificar a Silvia , o marido e as crianças, a situação ficou ainda pior entre eles.
A irmã de Matilde pegou uma pneumonia e quase morreu.
O cunhado e ela ficaram um tempão sem se falar!
 Mas agora! Quem cuida da pensão e cobra os inquilinos é ela.
 Graças a Deus ela não mora lá dentro. Por que se morasse já teria enlouquecido.
É tão sério assim (perguntei)?
Nem te conto! De um tempo pra cá, tem chegado à minha casa totalmente descontrolada. Ri, chora, esbraveja contra os homens tudo ao mesmo tempo.
 ...É tudo cafajeste ou viado, tamú perdida não tem um que preste...
 Deve ser por causa dos inquilinos!?!
 Agora que todos voltaram pra minas quem vai receber o aluguel dos homens lá, é ela.
 Que por sua vez trata mal os caras. 
 Eles percebendo que ela é mulher sozinha, saem dos quartos pra acertar o aluguel de cueca e pau duro, um deles chega até a jogar o dinheiro no chão pra ela ter que se ajoelhar na frente dele, e olha que lá só tem negão, nordestino e africano.
 Meu medo é que ela tenha um troço e eu tenha que interná-la. Se isso acontecer; por mais amiga que eu seja eu é que não vou lá cobrar aqueles caras. Só de pensar me dá palpitações.


Pedrão Guimarães 


Rolezinho

Rolezinho



Gozos na greta da grela, são bastante


 gostosos!


Mas a responsabilidade de conviver com os



 rebentos ninguém quer.



A impressão que tenho é que os jovens e



 crianças atuais tiveram sua criação


terceirizada.



Os ricos por babás e escolas caras, e os



 pobres em creches e escolas públicas que 


não

 conseguem oferecer nada mais do que



 aprovação involuntária, o analfabetismo


 funcional. 


Tão providencial para se compor as letras de



 funk (que a sociedade culta odeia tanto

invocando pena morte e diminuição da



 maioridade penal).


Funk aliás, que é o único indicio de 



paternidade que acolhe esses coitados.



Que passaram a crer que uma leve melhoria



 nos seus níveis de consumo os elevariam a



 condição de "classe medismo" quem sabe



 até de cidadãos.


Pobres moços; a se soubessem o que eu



 sei!!!


Foram filhos de gente pobre muito jovem, e



 provavelmente vão repetir esse flagelo, em



 cidades que cada vez mais encasteladas



 proíbem o barulho, os encontros a


 manifestação

da alegria e espontaniedade (tão comuns na



 juventude).


Assustam a burguesia de narinas de cádaver,



 quando mesmo sem serem convidados


 penetram os centros de compra, para



 cantarem e dançarem sua alegria


 perturbadora com


 letras vulgares, ofensivas a moral e aos bons



 costumes e principalmente, mal escritas.



Não são filhos da puta; são órfãos: Bastardos



 de cuidados e valores familiares elevados, de



 educação de qualidade e preventiva,de



 espaços públicos para se divertirem,de


 tolerância,


 de afetividade de quem queira conviver com



 eles
.
São nossos órfãos. Uma turba de meninos- 



piranha e cachorras querendo tão somente


 latir

 sua insólita felicidade.Nossos órfãos.



Pedro Guimarães