quinta-feira, 25 de junho de 2015

Sonhos de magistério ( Do Trilogia Biscate)


Sonhos do magistério.(Trilogia biscate)

Sábado, véspera de páscoa, a professora Geni encontra-se em sua kit na rua Nestor Pestana, suspira num misto de tédio e solidão, vai até a janela do vigésimo andar do prédio onde mora e observa na rua uma profusão de passantes, automóveis, prostitutas
luminosos de bares e casas noturnas.
 Quase meia noite,  ela não saiu nem tampouco tem sono, vai até a geladeira e toma um copo de leite, quando o telefone toca ela o atende com prontidão, mas antes que pudesse falar algo mais que a saudação inicial, ouve uma voz máscula, grave e ameaçadora que diz: Seu Titanic vai afundar, piranhazinha (desligando).
 Geni por um momento fica aturdida , pensando.Quem poderia ter feito uma brincadeira  de mau gosto daquela comigo, justo ela que encontra-se  tão absorvida com seus afazeres de professora que mal estava tendo tempo  para o convívio social.
 Liga a TV,  ri-se assistindo uma comédia italiana antiga, isso já são quase três horas da manhã quando o telefone toca novamente, ela o atende em quase descontrole : Alô alô...
0uve aquela voz novamente:Vassoura é pra se varrer a casa  não para sair voando (desligando). Neste momento a professora sente-se vítima de algum tipo de conspiração masculina,  frágil e ameaçada, pensa consigo mesma .
Quem seria capaz de estar fazendo isso comigo?
 Sou uma pessoa de princípios aristotélicos e humanistas elevados , não mereço esse tipo de terrorismo, se ainda estivesse envolvida em alguma maluca história de amor ? Há quase um ano  não vou pra cama com homem algum! Aumenta o volume da televisão e dorme na frente do aparelho numa tentativa de sentir-se acompanhada e segura, mas no entanto é acometida de um pesadelo onde ela se encontra vagando dentro de um labirinto insuportavelmente branco ouvindo vozes, gemidos, risos e passando por rostos nunca antes vistos, por volta de cinco horas da manhã o telefone toca novamente, Geni sobressaltada atende ao telefone e na sua ira, diz antes de ouvir qualquer insulto.
- Escuta seu cretino, eu tenho irmãos que vão quebrar sua cara e te colocar no seu devido lugar, guarde seus gracejos para sua mãe...
E a mãe dela então responde do outro lado:
 Geni sou eu sua mãe, algum problema minha filha?
Geni: Não é nada não mãe eu só estava tendo um pesadelo. 
Mãe: Pesadelo na noite do sábado de aleluia para o domingo de páscoa, isso não nada bom, é falta de religião, vocês estudam e se afastam da religião!
 Geni: Mãe, a senhora me ligou aqui cinco horas da manhã para me dar sermão!
 Mãe : Não é nada disso. Eu e seu pai levantamos aqui no sítio para matar uns frangos e um leitão para o assado do almoço de páscoa, seus primos e suas tias virão, quero confirmar se você vem ou não?
Geni: Não mãe! Tenho uma pilha de umas quinhentas provas para corrigir, na segunda eu ligo para saber como estão todos e como foi tudo aí, agora preciso dormir um pouco. Tchau mãe (desliga o telefone).
 Aquela ligação de sua mãe serviu como uma espécie de acalanto, que faz com que ela tivesse algumas poucas horas de sono tranqüilo, parecia, que a inconveniente ligação da mãe havia tido um resultado inverso, era como se a mãe neste momento fizesse a função de uma santidade protetora que aliviou a moça por alguns instantes do espectro infernal, pela qual esta passava.
           Até as nove e meia da manhã tivera um sono de anjo dormira com uma tranqüilidade serena que há muito não conhecia, parecia que tudo que havia passado nas horas anteriores não passava de um pesadelo distante, até que então o telefone volta a tocar, ela já com seu espírito desarmado, volta a atende-lo:
“ Alô “?
E aquela voz infame novamente entra na sua vida.
“Toda puta acorda linda. Descabelada e com mau hálito“. Desligando.
Ela: Alô alô alô...
           Novamente tem início seu martírio, senta na cama e chora, retoma sua integridade e diz para si mesma: Se esse filho de puta rampeira, acha que vai me destruir, ele está muito enganado, justo eu uma pessoa arraigada de princípios aristotélicos e humanistas, mas não vai mesmo.
         Levanta faz sua toalete, e começa a corrigir suas provas, e faz isso com a determinação e firmeza de um soldado alemão da segunda grande guerra. As horas passam, já são treze horas daquele terrível domingo, e ela sentada na mesma posição há mais de quatro horas, corrigindo suas provas. 
          Aí então toca o interfone, Geni quase cai da cadeira, ao atender descobre ser um amigo seu , uma espécie de confidente, companheiro de noitadas e baladinhas gostosas. Fica aliviada e pede que este suba. A presença de um homem do tipo forte e mundano era tudo que ela precisava neste momento. Abre a porta para seu amigo Léo.
 Geni: Que bom que você apareceu estava a ponto de enlouquecer.
Léo: O que foi? Tá tão abatida , saiu ontem pra noitada?
 Geni: Noitada, coisa alguma, não dormi a noite toda.
 Léo: Já sei, ficou a noite inteira namorando? Conseguiu o cara lá... 
Geni: Escuta Léo estou sendo ameaçada por um cara que me ligou a noite toda me falando coisas horríveis.
 Léo Mesmo?!? Quem será algum ex-namoradinho, ou algum futuro amante?
Geni: Não brinca Léo a coisa é seria, não faço a mínima ideia ,estou tão amedrontada. Léo então se propôs a ficar com Geni todo resto do dia, abriu a janela, colocou uma música e conversou bastante com a amiga, coisa que a acalmou bastante  ficaram os dois fazendo um jogo de associações e deduções, com o objetivo de descobrirem quem pudesse ser o canalha que torturava a professora.
          Lá pelas três da tarde Léo fez um chá de camomila para a moça, esta entrou no banho de onde saiu só com um roupãozinho, Léo arrumou as almofadas na salinha de  kit, obrigando a moça a tomar o chá quente, que em poucos minutos surtiu efeito fazendo com que a jovem adormecesse lânguida e libidinosamente entre o roupão e as almofadas, sentia-se em estado de graça.
           Neste momento Geni, sonha que está indo para escola onde trabalha, carrega uma pasta em uma das mãos com as provas corrigidas dos alunos, e em outra das mãos um grosso livro do Sérgio Buarque de Hollanda, sobe a rua da consolação à procura do ponto de ônibus mais próximo, tem no rosto a expressão de seriedade e introspecção de mulheres eruditas e, no corpo uma rígida postura de um bom condicionamento físico, de repente nota buzinas, assovios, derrapagens de carros, palavrões e um grupo de homens correndo em sua direção, quando então percebe no sonho estar completamente nua em plena rua da consolação em alta luz do dia provida somente de seus livros e papeis/materiais de trabalho, desespera-se e tenta argumentar esbravejando:
          Me respeitem sou uma intelectual, no momento em que a turba masculina, chega de encontro a moça esta acorda, gritando em sua sala envolta no roupão e sobre suas almofadas, molhada de suor num misto de estupefação e deleite.
Léo: Tudo bem Geni? Você me assustou!
Geni: Foi só um sonho me traz um copo de água.
        O telefone toca novamente, os dois se olham assustados, Léo então diz para Geni que atenda e tente prolongar a conversa, ela embriagada com o sonho que acabara de ter, pega o telefone.
 Geni: Alô!
 Voz ao telefone: (cantarola)Parece que eu sabia que hoje era o dia de tudo terminar...
Geni :(continuando) Pois logo notei quando telefonei pelo seu jeito de falar... Eu já sei quem é você e se insistir em continuar, vou à policia (batendo o telefone na cara do facínora).
Léo: Conta Geni o que está acontecendo?
Geni: É o Tato!
Léo: Casinho seu!
Geni: Bicha!
Léo:Amiga ou inimiga?
Geni: Inimiga agora.
Léo: Não estou entendendo nada, explica melhor.
Geni: Há uns dois anos atrás estava eu e uns amigos do interior, tomando banho pelados numa cachoeira lá do paranapanema, sabe assim gente livre e feliz?
Léo:Sei!
Geni: Foi aí então que conheci os dois, Tato e Tito, nadaram com a gente, eram namorados, depois passaram a vir para São Paulo, e eu os hospedava aqui na minha casa, nos tornamos grandes amigos. Às vezes até viajava deixando meu apartamento para eles poderem transar mais à vontade.
Léo: Gostoso assim! Isso  que é santidade, você é quem merecia canonização.
Geni: Não brinca Léo, é coisa séria, depois que o Tito resolveu acabar o namoro, o Tato enlouqueceu, achando que eu estava transando com o Tito, até fez umas ameaças mas desapareceu, eu o reconheci agora, por que sempre que a gente bebia cantávamos essa música.
Léo: E você  chegou a comer o marido da bicha ?
Geni: Nada eles não deixavam nem eu chegar perto, e se fosse pra comer alguém ali, teria sido a bicha , que eu achava bem mais interessante (Risos).
Léo: Pois é! A vida e as peças que ela nos prega.

Pedrão Guimarães