quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Troca

       Sim era uma das escolas mais ricas e tradicionais da paulicéia, foram pra lá crianças em meados dos anos 80, um lugar que se destacava por receber não só filhos de gente rica; mas também por buscar uma prática de modelos filosóficos de educação, vanguardistas alinhados ao que havia de mais sofisticada na Europa da época.
       Filhos da burguesia esclarecida, gente de pensamento de esquerda e de vocações artísticas. Lá se encontraram os dois, ela filha de intelectuais comunistas que haviam fugido da sangrenta ditadura do Paraguai, seu país de origem. Ele neto de judeus Poloneses, fugitivos dos horrores nazistas da segunda grande guerra.
      Frequentavam a mesma sala e por mais, que esta fosse pouco numerosa, só se viam mas ainda não haviam se enxergado, tanto um quanto o outro eram extremamente aplicados e caprichosos, nos estudos. Fruto da expectativa das famílias que apostavam no potencial daquelas crianças cobrando delas, que todo o esforço seria no futuro convertido na formação de doutos, académicos ou técnicos de primeira grandeza.
       Essas duas crianças respondiam a este comando de forma exemplar e com uma eficiência espartana, por volta dos treze anos a divindade da casualidade resolveu intervir sobre aquilo que a contrariava tanto, fazendo com que esses dois tivessem a necessidade de ser falar pela primeira vez.
       Numa dessas famigeradas provas de cálculos, que aliás não era problema algum para nenhum dos dois, ela vasculha seu inabalável material escolar e descobre que faltava-lhe um item inprescíndivel, foi aí num impulso impensado que falou ao ouvido deste colega que por acaso estava ao lado: 
- Me empresta uma borracha!?!
Ele- Claro. Deixa eu achar. Aqui!
       Os olhos se cruzaram e algo como um lampidozinho de semvergonhice se acendeu,ao término da prova tiveram um recreio diferente conversaram sobre suas causas e famílias, se comoveram um com a história do outro. 
        Ela se chamava Shanana, em homenagem a uma antiga divindade guarani, seus pais ateus-materialistas-dialéticos nunca lhe dariam um nome cristão, pois eles como Marx concordam que a religião é ópio do povo.  
         Ele se Chamava Wladimir em homenagem a um dos avós morto em um campo de concentração, sua família por sua vez houvera se decepcionado tanto com as traições e adesões de parentes e amigos na época da guerra, que abandonaram o culto religioso.
          Uma parceria forte se instaurava ali, sentiam-se as vezes estrangeiros no Brasil, e em outros momentos totalmente integrados isso os identificava muito, juntos puderam se libertar um pouco de toda referência e apego estrangeiros que os norteava, conhecerão a cachaça, a MPB, o Samba-rock e o mais importante para ambos.
           Ele apresenta a  sua "torá" a ela. E ela o seu "Charco Paraguaio" a ele.
 Por circunstancia do mundo dos adultos mudam de escola de endereço e perdem o contato, mas nunca esqueceram aquela troca tão importante em suas vidas, aliás as sequelas não podem ser só cicatrizes resultadas de traumas negativos.
            O Tempo passou como foi determinado, Shanana é redatora numa grande editora e Wladimir trabalha numa grande emissora de televisão na coordenação de tecnologia, são as vezes tomados por uma melancolia motivada por uma saudade de algo que não lembram ou que talvez tenham esquecido.
            Semana passada se encontraram num candomblé, que um músico pernambucano, completamente louco, amigo incomum e oculto dos dois ,os levara para como ele próprio havia dito: Pra dá uma levantada no astral de vocês.
            Lá no terreiro a profusão de tambores, cantigas, fumaça e comida atordoaram Shanana que não percebeu Wladimir chegando sorrateiramente e falando no seu ouvido:Me empresta uma borracha...
                                                            Pedrão Guimarães





terça-feira, 16 de agosto de 2011

Mil flores

É muito triste perder um ente querido.
Sempre independe da nossa vontade de vida eterna.
Mas a morte vem e ceifa-nos pessoas próximas e queridas.
Foi assim com a matriarca daquela família  de conhecidos.
Ela que sempre foi implacável em seus comentários ferinos e afiados.
Viveu o suficiente para destilar todas as suas verdades.
Não se deixava submeter por nada.
Firme em pensamentos e argumentos, por vezes confusos mas nunca incompletos.
 Eu e D. Flor já não nos víamos há quase 15 anos,tinha notícias através de uma de suas filhas, grande amiga.
Ela havia me dito o quanto esta velha senhora estava envelhecida e debilitada.
Porém irredutível na certeza de não ter sido "biscate".
Conforto sublime de quem acompanhou os deslizes de tantas.
Desfrutou de perfumes, tabacos e elixires, mas não se deixou desfrutável
Se bateu em homem foi por necessidade e defesa de sua honra.
¨Também ajudou amigas a parir trazendo vida a luz dada.
Foi mulher e quase não aprendeu a mentir.
Nos últimos dezoito anos, munida de café, cigarros e água.
Passava horas na sombra do túmulo do falecido marido, rezando confidências.
Era mulher de um homem só, mesmo tendo clareza que isso é negar todo o resto do mundo.
Exigiu as filhas ser enterrada ao lado marido com uma bela camisola rosa.
No seu leito de morte teve o desejo de vestuário realizado, mas não escapou do inesperado.
No cemitério o couveiro descobre a troca de placas, o marido estava três covas a esquerda, daquela tumba que por dezoito anos ela fizera suas preces-confissões.
Mas no seu instante final conseguiu ser encerrada junto ao marido, que fora seu único homem, pois como ela própria sempre fez questão de enfatizar a vida toda, foi mulher de um homem só.


                                                                  Pedro Guimarães

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Juradas de vida

         





Duas pessoas certas de suas limitações  e convicçoes, saem aquela noite mais cedo da escola onde trabalham no centro. Uma dirige e outra leciona, naquela instituição de ensino com todos os seus entraves.
           Estão bastante ansiosas e felizes, vão participar do júri de um concurso de pau, num puteiro masculino ali perto da escola mesmo, conversam afoitamente, sorriem com cumplicidade e principalmente comungam satisfação, nada poderia dar errado naquela noite. Será?
            Na entrada do estacionamento, o elemento surpresa e casual, um rapaz que abre o portão diz conhece-las de uma vizinhança anterior e do tanto que sempre quis se aproximar, prontamente segurando a genitalia sobre as calcas, fazendo as duas professoras engolirem seco de susto e estupefação. Para completar o assédio, ainda declara: Sou da Paraíba, bem dotado e fogueteiro, os outros dois colegas que estão dormindo lá nos fundos um é da Bahia e o outro do Pernambuco ao ouvir tal descrição as duas professoras sentem tremores internos, e percebem que se não tirarem logo o carro dali poderão perder o foco de atenção no concurso, aquele tão grandioso evento, preferiram ir embora sem aceitar o convite de conhecer o quartinho de fundos onde estavam outros dois  rapazes dormindo. Quando entraram no carro foram surpreendidas por uma pergunta do rapaz da Paraíba: A lei permite que gente seja tão mal alojado assim?
               Talvez ali estivesse a oportunidade para aquelas duas criaturas, demonstrarem que além dos ímpetos carnais, também pudessem ser motivadas por sentimentos de benevolência e nobreza, e aquilo as tocou de certa forma.
                 No concurso de pau, se diferenciaram estavam alegres, mordazes e com um certo ar comtemplativo. Parecia que uma flor brotara no subterrâneo de suas almas, na volta pra casa cada uma recebeu seu brinde um michê(bónus) para usufruir, foram felizes com seus parceiros, viveram e gritaram obscenidades até amanhecer o dia, no apartamento de uma delas.
                  Por volta do meio dia os quatro tomavam café da manhã , embora acabassem de de compartilhar gozos instigantemente profundos, já haviam perdido o interesse pelos dois varões que as acompanhavam. Um dos michês quando percebeu que elas já estavam farta da companhia deles, fez questão de desmerece-las, afinal para um puto não há coisa pior que perceber-se não desejado.
                 Escarneando as duas; contratados como premiação já haviam cumprido sua função iriam embora, foi então que o mais falante deles disse: "A gente que trabalha com pau ganha mais dinheiro que vocês nesses servicinhos de funcionário publico".Foi a despedida carregada de vingança e ressentimento.                    
                    Novamente elas estavam a sós para pensar como ajudariam os meninos do estacionamento, e que tipo de escambo poderia ser estabelecido ali, pois toda caridade pressupõe algo em troca ou em contra partida.
                  Uma amizadezinha "cachorra" começa a se estabelecer entre elas e os caras do estacionamento, toda noite no final do turno, buscam o carro ali, mas também trocam, gracejos, deboches, libidinagens e principalmente promessas de deleites futuros, elas as professoras, fazem vistorias constantes no quarto dos rapazes, o argumento é que condições subumanas e insalobras ocorrem ali. Esta é a principal razão para as blitz dessas educadoras, que podem por sua vez também  apreciar a visão dos moços de cuecas, dormindo erectos, sem que isso se configure em pura e simples taradice delas.  Estão escrevendo um relatório para o conselho dos direitos humanos, ou para o ministério público, não decidiram ainda. O que se sabe é que elas estavam cumprindo assim a função de defensoras públicas, e que os rapazes as recompensariam com mais parcas que fossem suas possibilidades ao final daquela jornada.
                   Mas como a vida é mais generosa em argrúrias, os planos dessas amorosas docentes vieram por água a baixo, quando a esposa de um dos guardadores deu um escândalo lá no recinto em questão, berrando aos quatro cantos que o marido e seus dois colegas estavam com caso com dois "professores viados sem vergonha" da escola ao lado.
                      Continuam guardando o carro lá com os rapazes mas hoje só se olham triste e apagadamente, nem de longe se observa o fulgor dos olhares anteriores e novamente a vida toma seu curso triste monótono.


                                                                                                           Pedro Guimarães