sexta-feira, 31 de agosto de 2012


Te perdoarei...    (Plagiando - Mil perdões do Chico Buarque)                          

O homem é uma pintura em preto e branco.
A mulher traz um colorido explosivo de loucura em seus traços.
Pelo menos aqui nos ocidentes, onde é dela a função do mimo e beleza.
Sedução pode ter preço alto, perda do controle em si mesmo.
Tanto prazer traz culpa, vazio, necessidade de preencher suas grutas com um novo ser.
Residente como maior força e fra(n)queza nas deusas.
Ele com todo seu tom cinza passa a procurar lugares etílicos e idílios com outr@s que não o perpetuem.
Tomado de sua tristeza ancestral, do medo que lhe torna empreendedor, violento, calado, circunspeto.
 Se faz capaz de alegrar tanto os que lhe rodeiam na turba de orgias e, incapaz de um riso afetuoso ou espontâneo entre os que prosseguem seu legado.
Vivendo uma melancolia silenciosa e asfixiante impossibilitada de ser gritada ou chorada entalada, encalacrada, na garganta.
Como resolver o convívio destes? Criados desde o ínicio tão distantes para mais tarde definirem uma fase adulta de votos e comunhão.
Ela continua ligando pra onde ele perambula, na busca de um gole de alegria e autenticidade. Se obrigando a aprender a mentir, quando se deita em leitos estranhos numa busca de menino curioso.
Jurou a si mesmo nunca mais levantar a mão, mesmo não entendendo o colorido das oscilações e acessos. Coisa multicor da essência fêmea, de muito falar, o chorar, o riso, a observação silenciosa especulativa, a vontade de morrer e viver concomitante o sangue corrente mensal.
Seguem perdoando-se cada qual a seu modo e por seu motivo próprio. Não foi esse o maior ensinamento do Cristo? Perdoar! Mesmo que a dor suplante sua capacidade em ossos, carnes e músculos?
Para assim quem sabe um dia seus rebentos consigam viver esse amor sem tantos perdões.

Pedro Guimarães

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

     Folha de outono

Ainda me lembro quando a conheci. Nos vimos nos primeiros cultos que meu pai nos levou, quando nos mudamos para São Paulo. A vida foi bem dura naquele momento de adaptação, tínhamos vindo do interior do Rio, a gente vivia em um pequeno lugar perto do Rio Paraíba entre a cidade e a zona rural, trabalhávamos muito numa modesta roça de mandioca e noutra de banana, papai também tinha uma velha carroça onde fazia mudanças e transporte de mercadorias, coisa que ajudava no orçamento familiar.

Tanto meu pai, minha mãe e nós os cinco filhos, trabalhávamos muito nas roças ou ajudando a carregar e descarregar aquela carroça que era velha, mas, tinha o cavalo mais garboso e bem cuidado da vizinhança. Alias nossa casa era reconhecidamente um lar, embora humilde, com disciplina e ordem que causavam admiração em toda a vizinhança.

Todo fim de tarde, após o banho nos reuníamos os sete para ler a bíblia e tocar nossa pequena orquestra familiar, papai regia e cantava, minha mãe com um banjo e os cinco meninos cada um com um instrumento de sopro, eu o mais velho com uma tuba, Matheus o segundo com um trombone, Lucas com a clarineta, Thiago com um trompete e Moises com um saxofone, podia-se ouvir de longe nossa sinfonia, sempre com musicas e cânticos de elevada religiosidade. 
Sim !Somos protestantes. Os vizinhos nos chamavam de: “Os crentinhos do sitio”, pois nosso sitio fazia divisa já com o primeiro bairro da cidade.

O apelido nos incomodava um pouco, principalmente na escola, mas a gente aprende a se acostumar até com aquilo mesmo que nos desconforta.

 Somos uma família de negros, que nunca se viu envolvida em bebedeira, arruaça ou macumba, alias papai nos ensinou a odiar essas coisas, vivíamos numa ilha um mundo próprio e particular, nossos parentes católicos ou de umbanda não nos visitavam muito, nos achavam esquisitos e talvez até fossemos, mas havia uma harmonia a partir de todas aquelas regras disciplinares e morais que nos rodeavam que era como um bálsamo anestesiante.
Meus pais pouco se falavam, mas nunca se desentendiam, pelo menos na nossa frente, tudo era consensual e espartanamente harmonioso. 

Aos finais de semana saíamos em missão peregrinadora, com nossa pequena orquestra pregando a bíblia mato adentro, pois as famílias da cidade não eram muito receptivas a nossa cruzada evangelizadora.

 Papai pregava, cantava e nós tocávamos, na maioria das vezes pra alguma família rural que nos recebia com muito apreço. Nunca soube onde meu pai aprendeu música, mas ensinou a nós todos, e que voz bonita e tão afinado ele tem!

 Da minha infância lembro mais de sua voz fazendo música do que falando. Falava mais pregando aos outros do que com sua própria família, nos também éramos doutrinados conforme ele se dirigia a outros, e assim fomos felizes. Então aconteceu o imprevisível.

A cidade haveria de construir um novo bairro, avançando sobre nossa terra, nos obrigando abrir mão de nosso sitio, quase enlouquecemos, o que faríamos?

 Foi aí que um pastor que visitava a região às vezes, convidou meu pai para ser caseiro e regente de coral numa grande igreja sua, em São Paulo, fomos tomados de dúvidas e medos, mas mesmo assim nosso pai decidiu que tudo fosse vendido, e seguimos em direção a vida nova, num lugar estranho, inóspito para gente tão pura e imaculada como nossa família.

Na cidade tudo se descortina intenso e hostil, viemos do interior, desabituados a multidões, calados, constrangidos, pudicos, exóticos não sei se por ser protestantes ou por sermos protestantes negros, algo não muito comum naquela época.

O tempo foi passando e as coisas foram se tornando menos estranhas, meu pai e minha mãe eram queridos e respeitados dentro da nossa comunidade, ícones de retidão e princípios cristãos, nós os meninos éramos chamados assim: Os meninos.

 Poucos eram entre os irmãos quem sabia nossos nomes, estudávamos a noite e como Office boy ganhava-se algum de dia, conseguimos não nos perder com todas as tentações que a cidade grande oferece.

Matheus aprendeu a trabalhar com madeira , hoje é marceneiro casou-se vive bem com sua mulher e filhos.
Lucas se apaixonou pelos carros hoje é dono de uma oficina mecânica, grande e bem equipada, casou-se vive bem com sua mulher e filhos.
Thiago com certo espírito mais aventureiro, estudou advocacia, hoje delegado de policia, casou-se vive bem com sua mulher e filhos.
Moises devotou-se ao esporte, conseguiu ser fisiculturista tornou-se treinador esportivo possui uma academia de ginástica num bairro nobre, casou-se vive bem com sua mulher e filhos.

Eu no entanto sou o único que não tive um percurso tão tranqüilo e assertivo quanto meus irmãos, mais inclinado à leitura primeiramente da bíblia, acabei estudando sociologia em faculdade católica, coisa que desde o inicio tornou-se um complicador para me acertar com os ruídos internos da minha alma e cabeça.

 Primeiro conflito:O ideário socialista reconhece no protestantismo um dos principais fomentos do comportamento egoísta do capitalismo, me colocando entre a cruz e a espada como ser sociólogo de esquerda continuando a ser protestante?

Segundo conflito: Como um intelectual negro no Brasil pode não ter tido nunca nenhum tipo de contato com a “macumba”? Considerada pelos mais radicais a única religião que os negros “esclarecidos” deveriam proferir.

Terceiro conflito: Casar com uma colega da sociologia, mulher critica, liberta sexualmente, independente quase dominadora ou com uma fiel da minha igreja?

Sou homem de valores cristãos rígidos e convictos, gosto disso, embora namore com o socialismo não vou me entregar a desfrutes e “relaxos”, admiro, entendo e concordo com a maioria das coisas propostas e expostas por intelectuais e artistas.

 Mas não me entregarei a indolência e excentricidades dos seus estilos de vida.  Assim então escolhi casar-me com alguém do mesmo culto religioso meu e de meus pais.

Como já disse nos vimos nos primeiros cultos que meu pai me levou quando mudamos para São Paulo, nunca mais a esqueci. Aquele rosto lindo de pele num tom moreno mais claro que o meu e grandes olhos verdes. Quem veio da roça naquele tempo não estava acostumado a ver gente preta de olhos claros. Talvez tenha me apaixonado por ela naquele momento, mas foram dez anos entre amizade, namoro, noivado até nos formarmos para poder casar.

Tamará era tão linda quanto amorosa, fui o primeiro homem seu, e ela quase a minha primeira. Sim já tinha tido mulher mais com respeito, carinho e benção nunca. Nossa lua de mel parecia interminável a cada dia a gente descobria novas formas de amar, e tantos prazeres íntimos que eu cheguei a pensa que poderia enlouquecer a qualquer momento.

 Tamará por sua vez se entregava ao culto em nossa igreja cada vez mais incondicional e apaixonada, sua devoção me tomava de volúpia e me excitava ainda mais, esperava sempre o momento em que na nossa intimidade poderíamos brincar e buscar mais possibilidades dentro de nosso sacro-sexo.

Não havia limites para nossas carnes: No fogão, na cama, no corredor, entre as plantas, em cadeiras que se quebravam, em qualquer chão do nosso ninho, com gritos e ranger de dentes que só se calavam após intermináveis banhos a dois. Única coisa capaz de nos relaxar pra gente então dormir.

O que mais eu poderia querer? Tinha um casamento abençoado, com uma mulher de respeito, religiosa e crédula e uma intimidade com o tradicional e também,com complementos maravilhosos onde as línguas percorriam de mamilos a anus sem nunca comentar-se nada a esse respeito.

Então fomos recompensados pela providencia divina, Tamará engravidou, éramos transbordantes de felicidade uma gravidez suave e tranqüila, vieram os trigêmeos, três meninos lindos e saudáveis.

Aí então que fui me dar conta das dificuldades, passei a dar aulas em três escolas. Tamará teve todo seu tempo ocupado no cuidado e no acostumar-se com os meninos. Indo trabalhar depois do primeiro ano de vida de nossos filhotes como professora de Inglês na escola de propriedade de D. Nair, conselheira de nossa igreja.

Nosso lar harmonioso e sereno tinha nossos filhos que cresciam em saúde e moralidade. Só eu e Tamará que nunca mais tivemos nossas liberdades e permissividades, a vida foi se tornando uma rotina pesada entre casa, escolas e igreja.

 Nesse momento então começou o lastimável, Tamará não respondia mais a minhas carícias passando a não querer mais dormir comigo, preferindo dormir no quarto dos meninos, com a justificativa de que mãe tem que ser devota e zelosa.

Enlouqueci! Não iria ficar me masturbando dentro de casa, nem muito menos levar uma mulher decente como a minha para um motel. Comecei a desenvolver pensamentos sujos quando olhava minhas alunas adolescentes, e confesso que se tivesse dado continuidade a este impulso teria tido com alguma delas.

Mas sou um homem cristão que tem controle sobre impulsos satânicos, acabando que me controlei.

Foi então que eu e Tamará fomos, nos acostumando a presença morna e insípida um do outro. Ela às vezes chorava sem motivo aparente, passou a tomar alguns calmantes receitados por um psiquiatra lá da nossa igreja eu hoje me satisfaço sozinho quando tomo longos banhos. Mantendo assim a austeridade de nossas vidas,  os meninos já estão com sete anos.

De algumas semanas pra cá estamos participando de estudos bíblicos, grupo que se reuni duas vezes por semana eu em um ela em outro, para movimentarmos nosso cotidiano sem torná-lo uma rotina insuportável, indicação de nosso pastor (Norte americano recém chegado).

Voltamos a nos sentir bem na companhia do outro, numa dessas noites Tâmara se vestiu linda, ia ao seu grupo de estudo via-se nela uma alegria que há muito eu não percebia “ordenou” então que eu descongelasse e temperasse salsichas para os meninos comerem, pois ela não teria tempo de cozinhar e que transferisse as roupas da máquina de lavar para o varal, saindo esfuziante.

Eu a obedeci com prontidão e destreza. Dei de comer aos meninos e fui logo pendurando as roupas da máquina no varal, foi aí que algo me estarreceu. No fundo da máquina a última peça.

 Uma calcinha que eu nunca tinha visto!

 Aquilo me intrigou de dúvidas e ressentimentos, fiquei remoendo pensamentos obscenos de infidelidade.

Quando Tamará voltou estava lívida e radiante, eu no meu descontrole quis saber tudo.

Eu: De quem é aquela calcinha, que eu nunca vi?

Tamará (cínica): Não sou a única mulher desta casa? Só pode ser minha então, não é meu filho?

Eu (Querendo espancá-la): Como !?!

Tâmara: Ganhei de um amigo.

Eu: Você teve coragem de emporcalhar a mim e os seus filhos? Você é uma puta (Nunca tinha dito palavrão na minha vida)!

Tamará: Mentira amor! Coloquei lá de propósito pra você voltar a ter interesse por mim. Resolveu! Voltou seu interesse.
Tá com ciumes... Que coisa linda.

Naquele momento senti um desejo louco e uma ereção latejante avancei sobre ela, rasguei suas roupas arrastei-a para o quarto e transamos como duas feras famintas, chegando até a assustar os meninos de tantos gritos e ruídos. De manhã saciados passei a observá-la nua na cama e me veio a cabeça a dúvida.

 Aquela calcinha poderia ter sido mesmo presente do pastor norte americano. Ele e Tamará ficam horas falando em inglês sem que ninguém os entenda depois dos cultos, ou até mesmo presente de Dona Nair, irmã, dona da escola onde ela leciona, que eu sempre desconfiei de seu solteirismo e de uma certa masculinidade nos seus gestos, também muito amigas e confidentes.

 Por fim acabei dormindo de exaustão e gozos até meio dia (coisa que ninguém nunca faz nesta casa), num determinado momento da manhã fui tomado de um sono profundo e agradável e sonhei com um campo provavelmente no interior dos Estados Unidos, onde ouvia o som de um saxofone bem jocoso, safado e via várias folhas de outono deslizando pelo ar e caindo no solo, a última delas era no entanto aquela calcinha dançando ao vento como uma folha de outono até repousar ao chão.

 Acordei sobressaltado, respirei fundo, Tamará esta nua de lado lhe abraço, encocho-lhe por trás e voltamos a dormir tranqüilos.

                                 PEDRO GUIMARÃES