terça-feira, 21 de outubro de 2014

Meu nome é Flávio...

Foi ontem que ele não soube informar onde moro
O telefone tocou era minha visita que requisitava o endereço
Percebi que se tratava de um descompasso com o porteiro novo
Aliás, poderia dizer que gostaria de saber onde os recrutam; mas sei!
Emergem dos arrabaldes do esquecimento, de onde ninguém gostaria de morar.
Onde tantos moram, convivem, comungam e copulam
Onde a pobreza e o abandono sintetizam o colorido das cores
Com todas as crianças desembestadas e barulhentamente cerelepes
Bem provável que Flávio, é esse o nome do novo porteiro, tenha vindo de um lugar mais ou menos assim.
Se mais pra mais ou pra menos, não sei?
O que percebo é que sua proximidade recente conosco ainda não o contaminou de insensibilidade e cinismo.
Ainda mantém uma postura cabisbaixa, sofrida subserviente.
Até quando. Vai depender do seu temperamento e do contato conosco
Mas percebo também uma tristeza no seu semblante, tristeza essa daqueles menos requisitados do que ainda desejados
Esperançosos de encontros e afetos tão invisíveis como moradores de rua
Sábado conversando com um engraxate na cracolândia este contou-me que quando morava nas calçadas certa vez dormia embaixo de chuva com três cobertores. Na medida em que a chuva apertou apareceram mais três e ele deu seus  cobertores para os outros "mavãs" poderem dormir, até mesmo por que havia uma senhora bem idosa entre os recém chegados; e que só fez isso por que estava bem doido de cachaça e drogas não sentindo o frio daquele momento.
Me espelhei nessa história para entender a piedade que senti do nosso novo porteiro. Talvez se estivesse na sobriedade careta e aconchegante do cobertor que me aquece quando o mirei pela primeira vez
, não teria reparado no semblante triste e caído do seu rosto.

Pedrão Guimarães