terça-feira, 18 de março de 2014

      Tristes belezas:-

       Foi através de uma fotografia atual que recebi pela internet que revi os dois, demorei um tempo para reconhecer; afinal são pessoas que convivi até meus distantes 17 anos e que nunca mais havia visto.
       Luís tinha uma deformidade no braço esquerdo bastante aguda, que atraía os olhos das pessoas para aquela parte do seu corpo. Que tentavam de toda forma disfarçar a repulsa, carregadas de compaixão, coisa que se constituía sempre como uma sensação de constrangimento e incomodo quando ele estava por perto.
       Tanto entre adultos como  entre os adolescentes. Esses aliás haviam aprendido não sei se por coação familiar, medo de castigo dívino ou se por comiseração mesmo? Nunca apontar, caçoar ou comentar em público o defeito de Luís; mas no íntimo de seus suplícios, delírios e fantasias secretamente o chamavam de “braço de sonata”.
       Luís possuía a percepção que sua pequena deficiência assombrava todos sem distinção de faixa etária, étnica ou social. Isso foi então moldando sua personalidade seu temperamento. Tornando-lhe monstruosamente cordial e gentil, foi a estratégia que assumiu para não ser destratado  e aceito.
       Trabalhador, obediente, gentil, educado, preto como a noite e com um sorriso mais alvo e largo do qualquer outra coisa que pudesse justificar sua própria existência.
       Implorando o amor das pessoas pelo simples fato de ter nascido. Sem o direito de nenhum deslize, nenhum erro, nenhuma sombra de vacilo.
       Construía uma reclusa e abnegada boa relação com todos. Como se comprasse com seus bons modos o direito de conviver entre “os normais”. Sempre teve prazer em viver. Seu sorriso mostrava isso, e todo o esforço seu tinha sua recompensa. Conseguia conviver com tantos e nem as crianças apontavam ou falavam de seu probleminha.
       Aos quatorze anos já trabalhava sustentando a mãe alcoólatra. Abandonada pelos dois irmãos mais velhos bem sucedidos materialmente. Um tal dono de oficina mecânica e o outro um tal dono de quitanda, que morriam de horror e vergonha do alcoolismo da mãe.
       Luís sempre forte e virtuoso tinha que ser assim, a vida não lhe dava outra escolha, e um colossal  sentimento de piedade equilibra tudo a sua volta e faz com que ninguém consiga lhe negar nada.
        Assim foi pra conseguir bons empregos, estudar e casar. Sim! Ele moço de princípios morais rígidos e católicos não se perdoaria se não conseguisse formar uma família.
       Essa semana vi sua doce e firme prole, lembrei-me de sua esposa, fizemos a sexta série juntos. Sempre calada, esquecida  quase invísivel. Os colegas comentavam que ela era "bobinha", não caçoavam mas também não a enxergavam, gerava em nós todos um sentimento de profunda tristeza e muita dó. Um tipo assim de compaixão arrogante que nos fazia sentir superiores e distantes.  
        Hoje estão casados. Luís e a menina triste do canto sala, que hoje sequer consigo lembrar o nome dela, vejo na mesma foto seus dois filhos parecem crianças felizes e saudáveis, mais claros que o pai. Mulatos. Pelo menos isso. Acredito que o alegre muito.
       Esse casamento se consumado com amor ou não?Nunca saberei e tampouco me importa! O que me alegra de certa forma é ver que duas pessoas esquecidas pelo simples fato de existirem se encontraram, e continuam a prolongar a vida por mais cruel e implacável que ela tenha sido com elas.
       Um sentimento perverso me faz pensar que os "pombinhos" foram induzidos a se casarem por algum tipo de associação externa que os aproximou e legitimou esse enlace (Como se faz em Japonês: Myai).        Coisa comum em pequenas comunidades onde aquilo que destoa e que possa tornar-se uma aberração, precisa ser tratado com distinção e um certo tom de compaixão; para quem sabe assim um dia possam garantir que esses tipos de criaturas não mais nasçam.
       A imagem da família de Luís com sua esposa que não lembro o nome e seus filhos mulatos, levam-me a pensar sobre minha própria razão de viver. Do quão mais alegres que eu possam ser mesmo sem toda as trangressões e regozijos que usufruo.
"Belezas são coisas acesas por dentro. Tristezas são belezas apagadas pelo sofrimento- Jorge Mautner"

Pedrão Guimarães
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