quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Onde está Zé?

       Com imensa ansiedade e expectativa fomos em direção ao Rio fazer nossas apresentações, o circo pan-anarco erótico de Loba-poeta e Capeta-angélico iria se maravilhar pela primeira vez na terra de São Sebastião.

       Dois dias antes da saída converso com alguém que me diz: Vocês vão com a Van. Pensei se tratar de uma "piruá van"; mas não era nada disso se tratava da Vanessa mestra doidivana de ayuscar que nos levaria no seu carro.
       No caminho depois de duas horas de auto estrada onde tentamos eu e Van lembrar donde nos conhecíamos. Um relato-deboche dela sobre sua fuga de um ex namorado psicopata propiciada por um porteiro amigo drogado, levou-me a recordação do lugar que havia conhecido a moça. Nos braços matrimoniais de um grande amigo, artista subversivamente mais louco do que o psicopata de quem ela fugia.
       Esse reconhecimento nos elevou a condição de parentes na hora começamos a relembrar pessoas queridas que amamos, muitos risos e escracho, sobrevivemos a quase 7 horas de viagem bastante  incólumes.
       Na maravilhosa cidade, quando chegamos ao QG onde seriam as apresentações e base de nossa hospedagem, era possível observar uma associação de feras digna do mais emblemático mangá. Uma assembleia de monstros que deixaria Godzila e vários outros do Japão com mais inveja do que todas devotadas a Xuxa e Fallabela ("os loiros mais generosos do Brasil").
       Embora a junção de tanta gente louca num único espaço se propensa mais a desentendimentos abissais; do que harmonias xiitas. O quadro foi positivo, salvo alguns males menores, conseguimos um convívio pacífico pontuado por regozijos e alegrias antropofágicas.
       Os dois "shows" aconteceram com beleza e leveza (dado suas devidas distâncias) de um balé quebra nozes de natal. Tudo transcorria bem e alegremente nenhum espancamento, nenhuma fratura exposta, intoxicação ou surto psicótico tudo seguia um curso harmonioso como a apresentação do Robertão no natal da globo. Fechamos os trabalhos no amanhecer de domingo por volta     das 6. 
       Voltaríamos pra casa domingo a noite, resolvemos então tomar um banho de mar na tarde domingueira pra na sequência estradarmo-nos. Harmoniosa e sorridentemente como num conto de fada; Mas como o Deus do destino prega peças nas pessoas como um exú brincalhão, nossa história tomou um rumo inusitado.
       Zé Dú (o compadre de Ogum) o doidão amigo que acompanha e inspira, com suas doses constantes de cachaças xam(n)ânicas que abrilhantam e inspiram o casal agregador (Loba-poeta e Capeta-angélico). No hora do nosso  derradeiro banho de mar. Lembra-se que não gosta de mar nem tampouco de areia e vai em direção ao mercado buscar cigarros e água para  nosso grupo. Sem que ele ou qualquer um de nós se importasse com o fato desta pessoa já ter engerido quase 3 litros de cachaça nos últimos 2 dias. Até que o inesperado nos açoita como rainha dominadora de festa sadomasoquista, depois de uma hora e meia ele não volta e começamos a nos desesperar.
       Saímos diligentes nas três direções (não nas quatro pela inexistência zona leste no Rio onde fica o mar e sendo o mar coisa que Zé Dú não gosta) infurtiva e frustradamente retornamos pro nosso ponto de encontro (banquinho do lado da areia) sem encontra-lo. Somos então nesse momento obrigados a pedir ajuda da polícia que com toda má vontade da face da terra nos diz que só depois de seis horas começariam a procurar. Nossos planos haviam naufragado no leme não íamos mais conseguir viajar de volta naquele domingo e oxalá que nada de pior houvesse acontecido com nosso amigo.
       Após cansativas incursões para os três pontos cardias terrenos cariocas descançamos para pensar qual  próximo passo dar. Foi então que a carioca nossa anfitriã apareceu com um barraqueiro de areia&morador de rua (que eu carinhosamente chamo de Mavã). Que se prôpos a procurar o Zé Dú desde que um de nós fosse com ele. 
       O clima ficou tenso, a insegurança grande então olhei pro casal aglutinador meus grandes irmãos e disse : Eu vou.
        Começou então minha jornada as calçadas do Leme a procura de Zé. Já no primeiro quarteirão andando com Valdemir (era esse seu nome) percebi que ele estava com uma faca na cintura. Não havia mais a possibilidade d'eu voltar pra trás, teria que controlar meu medo e continuar o rolê com ele. Perguntei de onde ele era? 
Maranhão ele disse.
Cantei um cacuriâ de dona Tete.
Ele não se interessou.
Pensei é agora que eu vou levar uma facada por causa de vinte reais, que era a grana que tinha no bolso da bermuda.
Ele primeiramente me levou numa pequena escadaria de uma também pequena igreja onde vários maloqueiros (como ele próprio disse) comiam e dormiam nesse momento acreditei que o pior aconteceria-me. Mas quando se olha nos olhos das pessoas parece que se recupera um sentido humano entre você e o mais flagelado dos pais de rua. Conversei com a moça negra desdentada que reclamou da comida apimentada que dividia com seu marido, rimos.O maranhense disse que eu era baiano. Comecei a perder o medo; embora sua faca insistisse em escorregar e a todo momento cair da sua cintura. 
       Valdemir queria dizer- me algo com seus gestos, tirou um maço de dinheiro do seu bolso entrou num bar a um quarteirão daquela escadaria de proscritos comprou um maço de cigarros, deu um cigarro parum outro mavã que nos seguia alguns segundos pedindo pra fumar. Entrou em outro bar comprou café queria me pagar um também se indignou com minha recusa. Apresentava-me a todos moradores de rua que ia encontrando, dizia com orgulho que eu estava seguro na sua companhia que nada me aconteceria e que encontraríamos meu amigo. Mostrou sua vida, suas posses cumprimentava até mesmo aqueles que lhe ignoravam , conversou com porteiros, donos de bar, balconistas, crianças, velhos e com todos os mavãs que cruzaram nossa frente. 
       Novamente parou pra comprar. Desta vez um latão de cerveja, queria que eu aceitasse uma; novamente não entendeu minha recusa e fomos nos distanciando do ponto inicial até que na ponta da praia paramos pra conversar com os lixeiros com seus uniformes laranja e sua transparência, tratavam Valdemir com intimidade, aliás todo mundo que ele fez questão de me mostrar, chamavam-lhe de: Tartaruga. Tentei chamá-lo assim, mas ele corrigiu-me: Valdemir!
        Mantinha algo solene entre nós mostrava-me suas conquistas na cidade maravilhosa era conhecido e a sua maneira respeitado por tantos. Não cansava de dizer que iria encontrar meu amigo. dessa forma eu escutava todo seu falatório enquanto a gente andava, tinha acabado de anoitecer porém ele por três vezes me disse que o dia estava pra nascer. Eu me perguntava qual a diferença destes dois pontos de vista?
       Zé Dú dentro  de sua euforia etílica e nostalgia no caminho do mercado lembrou de sua tia Letícia que mora ali perto há muitos anos. Nos abandonou sem aviso de partida foi procurar essa tia que desde a adolescência não via. Seu celular e sua bagagem estava conosco resgataria tudo depois quando a gente se encontrasse em São Paulo. Ele também precisava a sua maneira ser afagado de um passado que não tão distante lhe enterneceria aliviando uma certa asfixia de andar desconhecido; sabendo que ali tão perto havia alguém que faria toda diferença no afeto que lhe reservava.
       Um de nós que precisava voltar antes da segunda encontrando Zé na rodoviária que logo em seguida foi por nós resgatado, como estava sem identidade tinha ido até uma delegacia próxima pedir uma autorização de alguma "autoridade" para embarcar em condições excepcionais; mas como o delegado fez uma autorização em papel comum e de punho o vendedor de passagens não aceitou e daí surgiu o tempo para que Léo o encontrasse no guichê da empresa.
    Nenhum dos mavãs perguntou se o Zé que eu procurava era o Pelintra.
        Tanto Zé na sua jornada interior em ruas desconhecidas. Como Valdemir na sua jornada interior nas ruas do bairro onde todos os conhece não encontraram o que perderam.Sequer cruzaram-se em alguma esquina. Eu por minha vez fiz grande trajeto com Van e percorri caminhos tão curtos e significativos entre mavãs.          
Pedrão Guimarães

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Destinos

Resignação! Mais que impotência e ainda pior que comiseração. Seria. (penso) Aquilo tudo que gostaria de ter tido e que mesmo não possuído conforto-me não mais como derrota. Mas como uma especie de remédio as avessas que acalme meus destemperos, vontades inconfessas, lamentos por beijos roubados não consentidos.
Lembrança ancestral asfixiante de que a vida sempre pode ser pior, é como olhar nos olhos do presente chorando o passado e implorando generosidades de acasos futuros. Por mais que se mude e transforme surpresas "aum" devir. Nisso reside meu pânico e reconhecimento das fragilidades que de tão peraltas brincam com a vida da gente, nos ensinando a ponderar nossas arrogâncias rumo ao fim de si,do que está perto longe. De tudo.