terça-feira, 30 de novembro de 2010

Na vila cruzeiro

       Eram quatro amigas inseparáveis, trabalharam juntas numa mesma cozinha de escola pública, desenlatando e esquentando merenda escolar. Conheciam profundamente cada uma , as dores e histórias da outra.
       Gina era tomada de calores de menina já não tão moça que a levavam a um quase coma, tinha a certeza de que não era tarada, mas o conforto do ventilador na velocidade 3, mirado  nas partes intimas aos domingos ,enquanto assistia o "Sirvio Santos" e Faustão lhe faziam mais bem do que o próprio sexo com o marido.
       Lene deo gostava de fumar e tomar cerveja, embora falasse muito palavrão era pura de sentimentos e alma, foi obrigada assim a adquirir um comportamento mais masculino, para se defender das coisas aí de fora. Mas mantinha um espírito doce e afável como de uma menininha de jardim de infância, se incomodava que todos achavam que ela pudesse ser "sapatão", foi levada a um presídio por Gina que tem primo preso e lá conheceu cenoura com quem namora até hoje. Pode assim mostrar sua grandeza de alma feminina adotou a filha de cenoura aqui fora.
       Talita já viveu seu áureos tempos, quando pode se desligar do serviço público e gozar as regalias a partir de um romance com um advogado/empresário, que ajudou ela a educar seus dois filhos do casamento anterior e certa vez até viajaram juntos para Orlando, mas como a vida tem  que pregar peças nas pessoas, teve esse marido preso em função de um assunto não bem explicado com o governo de estado, e os filhos formados e casados com gente da pequena burguesia, passam a evitá-la, voltando para a merenda escolar só, amarga e com tanta ódio de tudo que seria capaz de matar alguém com aquela faca de picar tomate.
       Cristina, talvez a mais emblemática de todas elas, misteriosa sempre morou só em uma casa de herança  num bairro bom,tem visões e epifanias, todos os domingos vai a missa e quando não vai parece que algo lhe rompe as entranhas, tornando-lhe vitima dos mais terríveis súbitos e presságios babando e falando sozinha por incontáveis horas, coisa que assusta bastante as pessoas que lhe estão vendo pela primeira vez.
       Essas quatro senhoras de tão amigas, pensaram intocáveis se envolveram num esquema de desvio de recursos da merenda escolar de São Paulo orientadas por barões que conheceram nestas visitas nos presídios do oeste Paulista, há menos de dois anos foram obrigada a desaparecer.
       Pegaram a via Dultra como alternativa e dirigiram-se ao Rio de Janeiro, na Avenida Brasil ainda olhava para trás como se temessem alguma viatura as seguindo de São Paulo, foi ali que viram pela primeira vez a vila Cruzeiro, seu novo endereço.
       Na fuga ,um amigo de presídio deu-lhes o endereço para que elas recomeçassem a vida na vila cruzeiro, quando ali chegaram um aperto no coração misturado a sensação de começar de novo, tomou conta delas, todas aquelas vielas, o calor, a falação dos cariocas, os aromas as cores tudo as recebia acolhedora e calorosamente.
       Não sei se por coincidência,acaso ou fatalidade chegaram no dia daquele pagofunk, onde estava Adriano, Wagner Love, Bruno e até aquela namorada que hoje está desaparecida. Gina montou uma barraca de pastel, Lene deo faz e vende quentinha, Talita é apontadora do jogo do bicho e Cristina faz contabilidade da venda de butijão e de TV a cabo clandestina nas comunidades. Ninguém poderia imaginar que se adaptariam tão bem na cidade maravilhosa.
       Tudo corria muito bem .Nas últimas semanas Cristina não pode ir a missa atarantada de tanto trabalho, algo estava por acontecer as quatro amigas se olharam com olhar de espanto e assim começou a invasão do exército na vila cruzeiro. Acaso ou coincidência, haviam fugido de São Paulo sido bem acolhidas e agora novamente teriam que fugir  e recomeçar a vida que só é rica em argrúrias.
Pedrão Guimarães

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

PÁRA XICA


Ela foi uma criança alegre, serelepe e saltitante. Mesmo com seus quilinhos a mais, era só alegria e disposição. Por volta de 1981, fazia sua quinta série. Não demorou muito para que garotos de alma sebosa começassem a encrespar com a pobre criança, faziam-lhe insultos com relação a sua cor, seu peso e seus trejeitos.
Ela sofreu muito naquele momento, a infância não é só candura para as crianças. Teve medo, chegou até em pensar no isolamento. Mas havia algo mais forte que lhe gritava das grutas interiores. Tinha alma de artista, acompanhava as novelas, sabia imitar seqüências inteiras de diálogos das atrizes, conhecia de cor as trilhas e já freqüentava programas de auditório, levada por sua irmã mais velha que houvera recém chegado moçinha do Pernambuco.
Alguém com este perfil não iria deixar se abater por assédio moral de garotos chinfrins, ela própria preferia o assédio sexual.
Admite que foi forçada a se entregar para três moleques no banheiro da escola. E que depois deste episódio percebeu que poderia ser respeitada. Por uma estranha razão perdeu o medo de todos, passou a revidar todo tipo de insulto e provocação, se apoiando na sua estrutura física avantajada descia o braço nos agressores, jogava coisas certa vez até tentou furar um antagonista com um lápis bem afiado.
Essa frágil e entristecida criança houvera se tornado referência entre os jovens daquela escola, era tão temida como os “bandidinhos” locais. Passou então a experimentar desacatos e contravenções, o shortinho agora era curto e apertado, camisetinhas não lhe cobriam a barriga, ninguém mais tinha coragem de dizer nada.
Como ela própria diz havia se tornado maloqueira /putinha como forma de defesa e reação a tudo que sofrerá, nessa altura terminando a oitava série, já havia sido apresentada aos cinemas pornô do Anhangabaú e da av. são João, passava horas do dia ali atendendo transeuntes, romeiros, retirantes, policiais e toda sorte de peões.
O PT estava sendo fundado, ela não tinha idéia disso ; mais amou a classe trabalhadora mais que toda a esquerda brasileira daquele fim de ditadura.
Mesmo louca nunca abandonou sua parcimônia, estudiosa carregava os livros e cadernos na dobra interna do cotovelo junto ao peito, desfrutou-se mas terminou seus estudos cursou literatura na Pontifícia universidade católica.
Nos dias atuais continua a defender a idéia de que foi graças à discriminação e bolinação (o bulling da época) que se tornou uma das maiores contribuintes do pornô nacional , interagindo com os filmes em tempo real nas salas de cinema ,ao mesmo tempo que tem muito orgulho em ocupar a função de pedagoga numa renomada escola da grande São Paulo, também é jurada de concurso de “pau” e ,nunca se rendeu a tentação de se transformar em travesti, pois convites e oportunidades nunca faltaram a ela.
Sim vestiu –se de mulher muitas vezes e ainda o faz se necessário !Mas como um soldado varonil que volta quase morto da guerra sem desertar, ela nunca se tornou definitivamente uma trava.

                                     PEDRÃO GUIMARÃES                                            

 

terça-feira, 9 de novembro de 2010

BARULHINHO

AUGUSTAS 96

TU... ERA MUITO AMIGA DE GA...,TRABALHAVAM JUNTAS NA AUGUSTA.
CONHECIAM E RESPEITAVAM DÉ... QUE ERA FIEL E HONESTA FUNCIONÁRIA DE TÉ...
QUE AMAVA ENLOUQUECIDAMENTE NA...
AMAR PODE SER MAIS DIFÍCIL QUE ODIAR; MAS AMOR E ÓDIO CAMINHAM LADO A LADO?
AS NOITES ESCONDIAM O PARDO DOS GATOS E LAGARTOS. SÓ ESSAS MENINAS NUNCA ESCONDIAM NADA DE SEUS SOTURNOS PRAZERES.
SEMPRE DISPOSTAS, ENCONTRAVAM-SE PRESENTES EM CORAGEM.
NUMA ATITUDE MAIOR DO QUE PROCEDER.
UMA CUMPLICIDADE DE MULHER QUASE MARAVILHA. DE RELAÇÃO COM HOMENS EM PÉ DE IGUALDADE. UMA VIDA POR UM  FIO, REGADA POR LUXO, DROGAS E PROSTITUIÇÃO; MAS MESMO ASSIM REPLETA DE SANTIDADE E REDENÇÃO.
TU... POR MAIS FLAGELOS QUE PASSOU, RECEBEU UMA HERANÇA NA MOÓCA.
GA...É ESCRAVA SEXUAL DE UM LOIRO NA EUROPA.
DÉ... DESAPARECEU.GOSTARÍAMOS DE SABER ONDE ESTÁS.
TÉ... SE DECEPCIONOU COM SEU GRANDE AMOR, MAS MESMO ASSIM NÃO DEIXOU DE AMAR.
NA... A GENTE NÃO SABE! MAS ACREDITAMOS QUE POSSA ESTAR FELIZ.

                                                                       PEDRO GUIMARÃES
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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

CABELO

O QUE FEZ O CABELO PARA SER CHAMADO DE RUIM?
ROUBOU,MATOU VILIPENDIOU?
O QUE FEZ O CABELO PARA SER CHAMADO DE BOM?
È LISO, É CLARO OU É RICO?
ALGUM ÍDONEO INSTITUTO DE PESQUISA,
JÁ LEVANTOU QUANTOS ALISAMENTOS,AMACIAMENTOS E RELAXAMENTOS
SÃO FEITOS NO BRASIL POR DIA.
E OS RAPAZES POR QUE? SEMPRE SE APRESENTAM DE CABEÇA RASPADA E BONÉS?
O QUE O CABELO FEZ PARA SER CHAMADO DE RUIM?
O QUE O CABELO FEZ PARA SER CHAMADO DE BOM?
POR QUE O CABELO NÃO É BOM PELO SIMPLES FATO DE SER CABELO?

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Carnaval 2010. Pedrão e Lilian Marcheti

Cachorrice

Se fosse amor seria fácil
Cada vez mais constante
Pura afinação de belezas prováveis
Se fosse só sexo seria fácil
Estrutura de desejo-tesão
Capacidade física sem dificuldade
Se fosse matrimonial
Não beiraria a loucura
Convenção de padrão moral
Se fosse família, tranquilidade
Sereno acalanto de mantos e berços(e muitos terços).
Mas não é nada disso!
É o que no português popular se chama pouca vergonha
E então não pode?
Onde reside tuas vergonhas?
O que fazer com gozos e desejos inconfessáveis?
Não me negue, não me tombe não seja cruel
Dividimos picadinhos (pecadinhos) na Amaral Gurgel.
                                                 Pedro Guimarães- 2004

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

A CADELA DA INTERNET

 ( Feliz Páscoa)


Neste último domingo de páscoa, a TV Record, construiu no seu horário nobre mais um espetáculo de terror em nome da defesa dos bons costumes da cristandade, sincrético-contraditória da família brasileira, rumo ao evangelismo tacanho-fundamentalista tão desejado por eles.
       O babado foi uma série jornalística sobre padres pedófilos de norte a sul do nosso país, não estou aqui defendo a pedofilia nem muito menos a igreja católica, mas tentando discutir a maneira suja e manipuladora de como a Record expõe as mazelas desta temática sem aprofundar a discussão do que faz com que adultos se atraiam por crianças?E de que forma a doutrina cristã pode contribuir para que tais práticas não sejam povoadoras das grutas interiores de muita gente que anda de bíblia debaixo do braço ou de joelhos nos sombrios confessionários neste período de semana santa?
         Quando lembro que há quarenta dias atrás, a população exorcizava seus demônios numa orgia midiática orquestrada pelos grandes conglomerados de TV e pela indústria do turismo, pelas ruas e camarotes de todo o país, com jovens suados seminus aos beijos e toda a sorte de libidinagens gostosas e possíveis, me assusta a contradição hipócrita. Algumas semanas depois tanto puritanismo, todos esse filmes bíblicos, procissões, velas e louvores e uma emissora  que explora a violência ao extremo, na sua programação diária tentando se diferenciar de padres pedófilos . Quem é mais bandida, Ratssinger ou Edir Macedo?
              Mas de tudo o que mais me divertiu foi a história do Paraná, como não poderia deixar de ser o Paraná, segundo um amigo meu que lá vive, um lugar povoado por lobisomens, onde a aparente vida pacata e conservadora pode a qualquer momento dar espaço às maiores bizarrices possíveis, como Henry - Cristo por exemplo. De lá desta pacata terra vem o relato de uma mãe de um adolescente com problemas mentais, que na internet conheceu uma mulher que lhe fez jura de favores sexuais, desde que este provasse que era viril e capaz de ejacular. O garoto enlouqueceu respondendo que sim que tinha e faria “tudo” que esta loba demente e faminta ordenasse ela então disse que satisfaria o que o rapaz quisesse depois que  ele se apresentasse a um certo padre mostrando seu meu membro rijo e ejaculante, para este senhor catequizador, confirmar à ela os dotes do moço. E só a partir daí ela se entregaria ao apetite do jovem. O rapaz sem titubear procurou o tal padre e mostrou-lhe o quanto viril e ejaculante seu membro é. A mãe do rapaz devota beata da paróquia suspeitou de algo e conseguiu colher a confissão do filho, e mais descontrolada do que Darlene Glória em: Toda nudez será castigada, berrava para a reportagem do canal de televisão: Eu quero saber se a cadela da internet é uma mulher de fato, ou se foi uma invenção do padre. Se for o padre a cadela da internet exijo que ele seja preso, pois o menino foi lá e se masturbou.
 
                “Me faltam as palavras
                 Talvez por estar lendo poucos livros
                Não sei se vivo ou convivo
                Lembrando de um primeiro beijo
                Confuso, não esperado roubado
               Até hoje me faltam palavras
               Escrúpulo, constrangimento suavidade
              Incapazes naquele momento de criar um amor pronto
               Aquilo tudo encubado por tempos
               Bonito é ver amor entre velhos
               Por mais mentiras passadas que mantiveram
              Só eu consegui rir
              Na internet em uma terra de lobisomens em pé
              Um padre e um tantã
              Teclaram-se como mulher e homem
              Desejando-se mais do que qualquer proibição
              Conseguindo um encontro afetivo
              Uma mulher clamando um homem
                Para um amor além de desencontros
             Lenços umedecidos refrescando o entre - coxas “feminino”
              Capaz de recompor energias de suores anteriores
               Advindas de cansaços que brotam de dentro
             Tudo ali onde convivem lobos e cristos
              O jovem lelé, porém conectado aceita o comando
              Convite de falo-demonstração ejaculativa
             Para esta mulher incógnita e “vassalo do Papa”
             Denunciados por evangelhos enputecidos
             Que de longe não aceitam todo o amor que vier desta vida.        


  Pedrão Guimarães
 

Apresentação da frente3defevereiro maio, no Itaú cultural em SP


NEVER BISC...

Quarta-feira, dia nublado com muito calor, mormaço “brabo”. Bi saía de sua casa, como de costume todos os dias, para o trabalho; sentia-se linda, colocava uma roupa provocante para despertar os desejos masculinos. Negrona forte de quadril avantajado e formas definidas, uma típica gostosona, houvera tido na noite passada, sonhos embriagadamente sensuais; sentia-se livre como passarinho em início de primavera e, de fato, era primavera. Gozava de uma felicidade tamanha que não hesitou em colocar o mais provocante de seus batons, vermelho morango, que até cheirava a fruta – fruta esta, tão sedutora. Preta vaidosa, se cuidava muito: adorava sentir-se desejava. Embora gorda, mantinha formas altamente apetitosas.
            Acordava sempre cantando sucessos do axé e pagodes maneiros tipo: Ele vai dar uma cacetada na barata dela... E cantava afinada e no compasso. Bi era realmente uma negra de encher os olhos e sabia disso, abusava de seus modelitos pouco ortodoxos e era de uma gentileza admirável.
            Nesta manhã trajava uma blusa transparente, sutiã lilás que realçava ainda mais a beleza de seus apetitosos seios; a ousadia era marcante em sua personalidade, mini roxa e um sapato vermelho como pedia seu batom. Cultuava perfumes doces de aroma marcante. Estava ansiosa pois o grill onde trabalhava ofereceria neste dia um almoço para empresários norte-americanos da Amway, preocupou-se tanto em produzir-se que acabou perdendo o horário, sendo obrigada a tomar um táxi.
            Estava tão empolgada com este almoço, que arriscou seu parco inglês com o taxista:
- Please, Mister...
Parando o táxi ao entrar, cumprimentou-o:
-          Good morning, sir! How are you?
O taxista assustado não sabia se retribuía a saudação ou se só olhava para aquela boca vermelha morango. Ela então disse:
-          Hey mister, let’s go to Bussanhas Grill in Jabaquara, please.
O motorista pergunta:
-          Aquele próximo ao metrô?
E ela só resmunga:
-          Hum-hum...
E seguem absolutamente calados. No percurso o som do rádio tocava Bethânia:
-          Eu gosto de ser mulher...
Chegando ao Bussanhas, trabalhou com afinco e empenho, deixando impressionado o patrão. Quando chegaram os gringos, fez de tudo para ser notada; tirou o uniforme e trabalhou com a roupa que saíra de casa naquela manhã. Estava em felicidade plena. Mesmo sem uniforme nunca agradou tanto ao patrão, e de fato, foi muito bem tratada pelos gringos. Também com todo aquele aparato foi fácil agradar e ser notada. Seu dia, ao que tudo indicava já estava ganho, fora assediada, elogiada e cobiçada por quase todos; já se sentia uma senhora norte-americana, prestes a realizar seu grande sonho de morar em Miami Beach. Tudo se encaixava perfeitamente, servia a todos com descontração e alegria. De repente, sente o romper de uma das alças de seu sutiã: Zaapt... ela, no seu susto sussurra: Hããã...???? Um pouco desconcertada com os seios quase à mostra falou:
-          Just a moment, please!
Quando Charles, americano gostosão do canto da mesa lhe perguntou:
-          What’s your name, beauty?
Ela respondeu num impulso de total incômodo e encantamento, segurando a alça do sutiã:
-          Bi ! E saiu em direção ao vestiário praguejando aquele sutiã que houvera pago uma fortuna no shopping.
No vestiário percebe que teria que costura-lo, vai à cozinha, pega agulha e linha começa o trabalho. Tenta ser a mais rápida possível; porém, o ato de despir-se, costurar, vestir-se, toma-lhe muito tempo. Também não poderia ser de outra forma, vaidosa como era. Assusta-se no momento em que o patrão bate na porta perguntando:
-          Bi, Bi, Bi...tudo bem? Você foi magnífica, vou te dar um aumento, os gringos te adoraram.
Ela de dentro do banheiro assustada, responde:
-          Como assim? E o patrão em seguida fala:
-          Eles te adoraram, não te esperaram pois tinham compromisso. Voltaram para os EUA, mas Charles te deixou 150 paus de gorjeta, não é muito legal, Bi?
Bi começa a chorar e arranca o sutiã, ajoelha-se em frente ao vaso sanitário amaldiçoando aquele lindo sutiã lilás e prometendo nunca mais usar sutiã algum, e em seguida num ato impensado, joga-o no vaso apertando a descarga. Chorando compulsivamente exclama:
-          Eu não acredito. E chora um choro amargo de quem prefere mais a morte à ausência de algo desejado.
Após saciar sua dor, lava o rosto e sai do banheiro intimando o patrão:
-          Luis, minha grana...!
Bi se encontrava enraivecida, não se preocupava com nada. Seus seios estavam aparentes mas não se importava. A dor da perda era maior.
A garota estava irada. Totalmente enlouquecida, pega a grana e sai fora. Na rua liga para uma amiga, bailarina da Unicamp, branca que se considera negra, amiga e confidente de Bi, e diz somente uma coisa:
-          Me encontre no bar da Claudinha.
Desligando o telefone toma um trolebus. Entra no ônibus com uma expressão de insanidade e ódio, mesmo estando com os peitos à mostra, ninguém se atreve a dizer nada... Começa a chuva na cinza São Paulo; o transito para, Bi nervosa sente vontade de espancar o motorista. Parecia que estava com algum demônio no corpo – Charles voando para os Estados Unidos e ela num busão sujo e fétido, com 150 paus no bolso. Descontrola-se e berra:
-          Acelera, Airton..., assustando o casal de velhinhos sentado à sua frente.
O motorista, por sua vez, não dava a mínima. Bi, na sua raiva, não media conseqüências. Ao passar na roleta gritou para o cobrador:
-          Tá olhando o quê? Não sou da sua família.
O cobrador assustado responde gaguejando:
-          Nem te conheço, mulher. Ela, com o dedo em riste, responde:
-          Mulher é tua mãe! Me respeite que sou moça.
Apesar de ter trabalhado horas não sentia cansaço, fazendo questão de ficar em pé todo o trajeto, quando se aborrece ainda mais com o trânsito e resolve descer para tomar um táxi, dando sinal e gritando ao motorista:
-          Pára esse lixo que eu vou descer! E realmente desce, escutando o sussurro do casal de velhinhos dizendo:
-          Que Deus te acompanhe, minha filha! Na rua, embora garoasse, não ficou incomodada, andava como um soldado de um filme de guerra, exclamando:
-          E sou lá mulher de 150 dólares, é só isso que eu mereço? resmunga consigo mesma por cinco minutos naquele calçadão molhado e escorregadio. Sua blusa, que era transparente, com toda a chuva que caíra ficou tão colada ao corpo que ela parecia estar nua, arrancando buzinas e assobios no trânsito. Indignada, só respondia:
-          Mas não é para o seu bico! Pára numa esquina e grita: Táxi!
De repente um carro com quatro caras dentro acelera em sua direção.
Enquanto isso na Bela Vista, mais precisamente na casa da bailarina da Unicamp, que é branca e que se considera negra, amiga e consultora de Bi, tudo parecia normal. Ela tomava um banho, ouvindo uma musiquinha instrumental e andava serelepe pela casa olhando-se pelada diante do espelho escolhendo um sutiã e uma calcinha para usar naquela noite. Numa liberdade de cisne, sussurrava aquelas lindas canções. Já vestida foi até a sala e fez algumas ligações convidando outros amigos para se encontrarem com ela e Bi, no bar da Claudinha. Voltando ao banheiro, passa seu perfume preferido e resolve ir embora. No elevador, seu perfume reinava absoluto, quando apitou o térreo e a porta abriu-se sentiu um inexplicado calor espalhar-se por todo o seu corpo. E percebeu estar suando muito, voltou assim para casa, sentindo a necessidade de tomar um novo banho. Ao entrar exclamou: Que coisa esquisita, tratando logo de providenciar seu banho de assento com ervas medicinais e aromatizadas, acendeu um incenso. Enquanto banhava-se cantarolava pontos de um certo terreiro que eventualmente freqüentava.
Do outro lado da cidade, Bi se encontrava exposta ao ataque daquele carro com quatro vagabundos, que ao se aproximar dela um deles joga um pedaço de ferro em direção da cabeça de Bi e grita:
-          Biscateeeeee!
O grito ecoou tão forte nos ouvidos de Bi que esta quase não percebeu que o ferro por pouco não lhe acerta a cabeça. Assustada sentiu-se frágil e indefesa diante de tal ofensa. Entrou em transe e saiu correndo, trôpega, com aquele maldito som ecoando em seus ouvidos: ...cate...cate...cate...cate... E a moça cai em uma poça d’água gritando:
- Nããããoo...
Quando tudo parecia perdido, Joãozinho, taxista da porta do bar da Claudinha, acostumado a leva-las bêbadas para casa nas suas prazerosas madrugadas voltava de uma corrida e avistou Bi ali quase desfalecida. Pára o carro, pega-a pelo braço e pergunta: Que houve, minha filha? Impressionado com o estado em que se encontrava a moça. Ela responde:
-          Acabei de sofrer um atentado (em prantos).
Ele então se oferece para leva-la até a casa da sua amiga bailarina da Unicamp, branca que se considera negra, amiga e confidente de Bi. Bi não falou uma palavra sequer durante o percurso, apenas chorava e soluçava. Chegando na casa da amiga, que por coincidência ainda se encontrava lá, em função do imprevisto banho que tivera que tomar novamente. A bailarina escutou uma batida na porta e perguntou:
- Quem é? Ouve a voz do taxista dizendo:
-          Sou eu, o Joãozinho Taxista, sua amiga passou mal na rua.
Ela abre a porta assustada e pergunta:
-          O que aconteceu, Bi? Bi então responde soluçando e apertando a cabeça:
-          Tentaram me matar...! abruptamente recupera o controle e olhando nos olhos da amiga num átimo de revolta e determinação desabafa:
-          Mas de uma coisa tenho certeza: biscate jamais!!! Desmaiando em seguida nos braços da bailarina da Unicamp, que é branca e que se considera negra, amiga e consultora de Bi.

FIM
                  Pedro César Ribeiro Guimarães & João Fabio Cabral     1997