segunda-feira, 2 de março de 2020

                                      Sexo Virtual                


       Tenho um primo que, por uma razão que não conheço e que por ter menos idade não presenciei seus motivos, enlouqueceu. 
        Ele anda muitos km pela cidade que não é grande, todos os dias, fala sozinho um pouco. As ruas por sua vez não lhe dizem nada. Na sua solidão e loucura pacífica é visto como exótico/sombrio. Possui uma fala maestra,calada, quase muda misteriosamente sua.
       -Gosto tanto de você e não te encontro em lugar algum.
       -Passo por onde estarias sem que nos enxerguemos.
       -O valor buscado na internet supera o dos nossos corpos nus se tocando. Será que nos tocaremos nus algum dia?
       -Virtual é a capacidade virtuosa e virulenta que viraliza e nunca replica: Nossos corpos nus colados sem privacidade com expectativa de intimidade duradoura.
        -Te amo sem nunca ter estado contigo presencialmente. Gozamos tão gostoso juntos.
        -Quem sabe um dia meu corpo te agrade ainda mais ao vivo.
        Meu primo está em todos os lugares quase ninguém o deseja (suponho), tantos o enxergam todos os dias mesmo não o querendo. Aqueles que o observam quando muito conseguem dispensar-lhe algum tipo de compaixão e dó. Poderiam tocar-lhe se ele fosse aquela pessoa com quem gozam nas telas das redes sociais. Ninguém irá tocá-lo veem- no assim como seus "crushs" todos os dias numa relação que se equivale: Por razões distintas olham-se mas não conseguem se tocar. Como a lenda medieval dos amantes que foram transformados em lobo e falcão pra nunca conseguirem se encontrar e consumar o toque de seus corpos nus.
Pedro Guimarães
                                              Por quê?

       Que alegria é essa? Neste momento tão duro donde sei bastante das tristezas sobrevoantes daquilo tudo que coloca-se como algo maior. Sorrisos amarelamente sombrios com dizeres abafados e constridos.

       A solidão que carrego de certa forma sempre me acalantou e é por isso que rio da vida, do mundo, de tudo tudo. Se o cê tivesse me amado por completo. Se todos que desejei tivessem me amado?!?  Talvez hoje estaria menos ansioso. Não tenho essa certeza também. Me faltam muitas certezas; embora algumas me transbordam. Sem as lágrimas que dos meus olhos secaram de tanto que escorreram. Sabe aquela sensação de sentir-se rejeitado e incapaz?
       Desprovido de gostar desse corpo avesso à padrões para ser seu. E que os sonhos dos voos sobre Áfricas e Japões mitológicos justifiquem essa macula.
       Ando tão duro e insensível que me assusto, quero mais sorrisos que gargalhadas, coisa que ainda consigo muito bem e ainda bem.
       Sem perder essa alegria boba que move-me, não morro antes de conversar todas aquelas coisas tão fundamentais que deram sentido pra que eu nascesse para apavorar tudo aquilo que conspira contra meu ser e minha vida.
      Gostaria tanto te conhecer pra beijar todo seu corpo despudoradamente te deixando a vontade sem frescuras. Aí então serei e terei a certeza de que, por mais que a vida nos pregue peças. A vida é a vida!
       Mesmo com todo plástico nos asfixiando, com todo óleo cingindo nossos ódios ao sabor do destempero de ventos que façam tantos estragos. Que alguma alegria nos faça refem dela.

Pedro Guimarães