Pobre marquinhos! Desde pequeno já percebiam, não sei se por maldade ou pura falação, que algo ali não havia se formado direito! Faltou algum tempero antes de fechar a panela, talvez um parafuso a menos na cabeça, qualquer coisa nesse sentido. Os vizinhos sempre percebem primeiro, parece que são assim para não verem o que acontece dentro da suas próprias casas.
O menino trouxe luz e felicidade aquele lar. Filho de um casal que de tão velhos que eram acreditavam não mais serem capazes de gerar criança, e de fato já tinham idade avançada quando aquela gravidez despontou, em total estado de graça agradeciam a deus abençoados por uma espécie de milagre bíblico, Dona Patrícia e seu Osmar estavam aéreos de tanto arrebatamento, pareciam rejuvenescidos quando o rebento surgiu.
Conforme o menino crescia a vizinhança na sua mordacidade já comentava que o menino não batia bem. Coisa que talvez nunca tenha sido verdade a não ser pela vontade destes vizinhos de elegerem uma criança no bairro, para ser o louquinho oficial.
Não sei! Se marquinhos nasceu "tantan" , como comentam seus algozes ou; sucumbiu-se a situação por sugestão de tanta gente falando e torcendo para que isso acontecesse.
Chegavam até a proibir as outras crianças de brincarem com o pobre, que foi crescendo só e cada vez mais isolado em si mesmo.
Pouco subiu em arvore, não soltou pipa, não fez troca-troca mas aprendeu a andar de bicicleta e a manusear o computador, cresceu junto com o avanço da informática e esse era seu maior trunfo.
Nos conhecemos em um escritório na Santa Cecília, me assustava um pouco com ele mas era amigo e divertido, logo nos tornamos amigos.
De uns meses para cá obstinou-se com a ideia de casar-se pois passou dos quarenta, vive dizendo que é uma preocupação constante aos pais, que já estão octogenários temendo a morte sem que Marquinhos esteja no conforto e segurança de sua própria família.
Ele então começa a pedir-me sugestões sobre possíveis parceiras, mulheres que ele conhece via internet, todas muito alvas, loiras e com um certo ar de "interesseiras".
Não tenho coragem de falar muito,digo a ele apenas; que procure um outro perfil de mulher mais próximo da realidade.
E foi neste momento que ele, mesmo com toda a sua fragilidade, diluiu um veneno que eu não imaginava dele ouvir, disse-me:
"Fui criado pra me relacionar com gente de alta sociedade, papai e mamãe nunca me perdoarão se não me casar com mulher branca ,de cabelo liso e olhos claros, é a única possibilidade de ser bem sucedido,se não for assim é roubada"
Eu não acreditava no que acabava de ouvir, um sujeito exposto a todo tipo de assédio moral e discriminação, vomitando um papinho vagabundo deste.
Fiquei na minha, me distanciei um pouco esfriando nossa amizade.
Algumas semanas mais tarde ,encontrei-o querendo brigar dentro de um bar cheio de "machos sem vergonha", pois enquanto ele tomava seu café com leite no balcão, um dos bêbados sugeriu que ele fosse "viado", tirei-o de dentro local caminhando com ele alguns quarteirões confortando-lhe repetindo várias vezes a seguinte frase:Não, você não é gay!
Até que Marquinhos foi se acalmando partindo para sua casa.
Qual foi minha surpresa? Alguns dias atrás neste mesmo bar onde ofenderam Marquinhos, o balconista me contou que Marquinhos começou o namoro com uma frequentadora de lá.
Traveca, mulata, de cabelão (pintado de) loiro , moça que não se prostitui, trabalha na enfermagem e fala inglês.
Traveca, mulata, de cabelão (pintado de) loiro , moça que não se prostitui, trabalha na enfermagem e fala inglês.
E o mais surpreendente, segundo o rapaz, Marquinhos disse que decidiu começar o namoro depois dos conselhos que eu havia lhe dado.
Senti-me uma espécie de sacerdote local, pregando no sentido de trazer luz e paz interior para intranquilos. Mas não me lembro de té-lo aconselhado a namorar travesti.
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