quinta-feira, 22 de agosto de 2013

PANCADÃO ALEMÃO



PANCADÃO ALEMÃO                            (Para Fafi Prado)       
      

Ela desde muito cedo achava estranha seu segundo nome. Nome alemão que não era e não dizia respeito a ninguém da sua família. Mas conviveu com aquilo toda a sua infância e adolescência, mandada para colégio interno católico sentia a falta de algo que identificava muito bem.
Aquele ambiente repleto de mulheres se tornava um pouco menos tristonho quando alguma irmã ou aluna tinha acesso de nervos e ela podia correr até a cozinha para providencialmente trazer um copo de água com açúcar à flagelada.
 Mostrando assim sua disponibilidade e gentileza que sabia ter herdado de sua família, que embora brigassem “às vezes” falando alto, eram provenientes do sul da Itália, sem nunca terem negado (apesar de toda carolice mediterrânea) algumas idas a certo terreiro de umbanda logo ali depois da Mooca.
Fato que ao se tornar mais constante os familiarizou a tantos vizinhos negros e nordestinos que nunca haviam até então notado.
Lívia Guertruda, sim era esse seu nome, além de buscar água com açúcar para as descontroladas, apreciava muito também momentos em que algo quebrava dentro do colégio, pois vinham técnicos consertar o defeito. E eram homens.
 Na sua doce inocência pensava: Homem parece que resolve qualquer problema e não precisa sentar pra fazer xixi(embora os pelos lhe dessem um certo asco) mesmo assim Deus havia sido mais generoso com eles. Esse pensamento teria que ser guardado a sete chaves, não confidenciaria isso a nenhuma freira ou amiga dali.
Com o passar do tempo começou a questionar certas coisas: as vestes, os dogmas católicos, a não presença de meninos na escola e a virgindade de Maria. Como engravidar sem penetração? Era excelente aluna de biologia!
Depois do seu primeiro menstruo revoltou-se, e foi a música que a amparou, quando visitava a família nos finais de semana conseguia com os vizinhos fitas k7 com rock inglês, samba-rock, forrozinhos maneiros ritmos que tornavam sua estadia mais suportável naquele circo de horrores onde vivia e se educava.
Emancipada foi estudar dança contemporânea com um papa desta modalidade aqui no Brasil. Alemão enlouquecido que levava seus alunos ao extremo de radicalismos e experimentações. Numa dessas aulas foi indagada por seu mestre sobre seu nome. Lívia Guertruda. Havia alguma descendência germânica?
Ela, no entanto sem saber a explicação da configuração desta emblemática nomenclatura, pela primeira vez pergunta a sua mãe o porquê desta escolha e ouve a resposta que transformou tudo que veio da aí pra frente.
Sua mãe revela que Guertruda, não vem de nenhum resgate de referência ou origem familiar; mas simplesmente pelo fato dela admirar muito uma freira alemã, quando Lívia nasceu, que se chamava: Guertruda e, daí o nome em homenagem a essa amiga.
A moça quase teve um colapso, foi ela quem precisou de água com açúcar. Lembrou-se de todas as privações que passou naquele colégio de freiras e de como as vezes lhe incomodava certo temperamento sistemático e normativo que acreditava ser herdado, e o tanto atrapalhador isso era nas suas experiências mais radicais com a dança contemporânea.
Saiu andando enfurecida por dias sem falar com a família, precisava se isolar e viver só a dor de suas reflexões e com capacidade de superação que só tem os fortes, hoje, tornou-se das mais requisitadas  funkeira inicialmente  clamada como Irmã Guertruda, mas com o tempo renomeou-se de “Mana Guerta”. Ameaçando todas as mulheres frutas até o atual momento.


Gervásio Pústula

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