Ainda me lembro quando a
conheci. Nos vimos nos primeiros cultos que meu pai nos levou, quando nos
mudamos para São Paulo. A vida foi bem dura naquele momento de adaptação,
tínhamos vindo do interior do Rio, a gente vivia em um pequeno lugar perto do
Rio Paraíba entre a cidade e a zona rural, trabalhávamos muito numa modesta roça de mandioca e noutra de banana, papai também tinha uma velha carroça onde
fazia mudanças e transporte de mercadorias, coisa que ajudava no orçamento
familiar.
Tanto meu pai, minha mãe e nós
os cinco filhos, trabalhávamos muito nas roças ou ajudando a carregar e
descarregar aquela carroça que era velha, mas, tinha o cavalo mais garboso e
bem cuidado da vizinhança. Alias nossa casa era reconhecidamente um lar, embora
humilde, com disciplina e ordem que causavam admiração em toda a vizinhança.
Todo fim de tarde, após o
banho nos reuníamos os sete para ler a bíblia e tocar nossa pequena orquestra
familiar, papai regia e cantava, minha mãe com um banjo e os cinco meninos cada
um com um instrumento de sopro, eu o mais velho com uma tuba, Matheus o segundo
com um trombone, Lucas com a clarineta, Thiago com um trompete e Moises com um
saxofone, podia-se ouvir de longe nossa sinfonia, sempre com musicas e cânticos
de elevada religiosidade.
Sim !Somos protestantes. Os vizinhos nos chamavam de: “Os crentinhos do sitio”, pois nosso sitio fazia divisa já com o primeiro bairro da cidade.
Sim !Somos protestantes. Os vizinhos nos chamavam de: “Os crentinhos do sitio”, pois nosso sitio fazia divisa já com o primeiro bairro da cidade.
O apelido nos incomodava um
pouco, principalmente na escola, mas a gente aprende a se acostumar até com aquilo
mesmo que nos desconforta.
Somos uma família de negros, que nunca se viu envolvida em bebedeira, arruaça ou macumba, alias papai nos ensinou a odiar essas coisas, vivíamos numa ilha um mundo próprio e particular, nossos parentes católicos ou de umbanda não nos visitavam muito, nos achavam esquisitos e talvez até fossemos, mas havia uma harmonia a partir de todas aquelas regras disciplinares e morais que nos rodeavam que era como um bálsamo anestesiante.
Meus pais pouco se falavam,
mas nunca se desentendiam, pelo menos na nossa frente, tudo era consensual e espartanamente
harmonioso.
Aos finais de semana saíamos em missão peregrinadora, com nossa pequena orquestra pregando a bíblia mato adentro, pois as famílias da cidade não eram muito receptivas a nossa cruzada evangelizadora.
Aos finais de semana saíamos em missão peregrinadora, com nossa pequena orquestra pregando a bíblia mato adentro, pois as famílias da cidade não eram muito receptivas a nossa cruzada evangelizadora.
Papai pregava, cantava e nós tocávamos, na
maioria das vezes pra alguma família rural que nos recebia com muito apreço.
Nunca soube onde meu pai aprendeu música, mas ensinou a nós todos, e que voz
bonita e tão afinado ele tem!
Da minha infância lembro mais de sua voz
fazendo música do que falando. Falava mais pregando aos outros do que com sua
própria família, nos também éramos doutrinados conforme ele se dirigia a outros,
e assim fomos felizes. Então aconteceu o imprevisível.
A cidade haveria de construir
um novo bairro, avançando sobre nossa terra, nos obrigando abrir mão de nosso
sitio, quase enlouquecemos, o que faríamos?
Foi aí que um pastor que visitava a região às
vezes, convidou meu pai para ser caseiro e regente de coral numa grande igreja
sua, em São Paulo,
fomos tomados de dúvidas e medos, mas mesmo assim nosso pai decidiu que tudo
fosse vendido, e seguimos em direção a vida nova, num lugar estranho, inóspito
para gente tão pura e imaculada como nossa família.
Na cidade tudo se descortina
intenso e hostil, viemos do interior, desabituados a multidões, calados,
constrangidos, pudicos, exóticos não sei se por ser protestantes ou por sermos
protestantes negros, algo não muito comum naquela época.
O tempo foi passando e as
coisas foram se tornando menos estranhas, meu pai e minha mãe eram queridos e
respeitados dentro da nossa comunidade, ícones de retidão e princípios
cristãos, nós os meninos éramos chamados assim: Os meninos.
Poucos eram entre os irmãos quem sabia nossos
nomes, estudávamos a noite e como Office boy ganhava-se algum de dia, conseguimos
não nos perder com todas as tentações que a cidade grande oferece.
Matheus aprendeu a trabalhar
com madeira , hoje é marceneiro casou-se vive bem com sua mulher e filhos.
Lucas se apaixonou pelos
carros hoje é dono de uma oficina mecânica, grande e bem equipada, casou-se vive
bem com sua mulher e filhos.
Thiago com certo espírito
mais aventureiro, estudou advocacia, hoje delegado de policia, casou-se vive
bem com sua mulher e filhos.
Moises devotou-se ao esporte,
conseguiu ser fisiculturista tornou-se treinador esportivo possui uma academia
de ginástica num bairro nobre, casou-se vive bem com sua mulher e filhos.
Eu no entanto sou o único que
não tive um percurso tão tranqüilo e assertivo quanto meus irmãos, mais
inclinado à leitura primeiramente da bíblia, acabei estudando sociologia em
faculdade católica, coisa que desde o inicio tornou-se um complicador para me
acertar com os ruídos internos da minha alma e cabeça.
Primeiro conflito:O ideário socialista
reconhece no protestantismo um dos principais fomentos do comportamento egoísta
do capitalismo, me colocando entre a cruz e a espada como ser sociólogo de
esquerda continuando a ser protestante?
Segundo conflito: Como um
intelectual negro no Brasil pode não ter tido nunca nenhum tipo de contato com
a “macumba”? Considerada pelos mais radicais a única religião que os negros
“esclarecidos” deveriam proferir.
Terceiro conflito: Casar com
uma colega da sociologia, mulher critica, liberta sexualmente, independente
quase dominadora ou com uma fiel da minha igreja?
Sou homem de valores cristãos
rígidos e convictos, gosto disso, embora namore com o socialismo não vou me
entregar a desfrutes e “relaxos”, admiro, entendo e concordo com a maioria das
coisas propostas e expostas por intelectuais e artistas.
Mas não me entregarei a indolência e
excentricidades dos seus estilos de vida. Assim então escolhi casar-me com alguém do
mesmo culto religioso meu e de meus pais.
Como já disse nos vimos nos
primeiros cultos que meu pai me levou quando mudamos para São Paulo, nunca mais
a esqueci. Aquele rosto lindo de pele num tom moreno mais claro que o meu e
grandes olhos verdes. Quem veio da roça naquele tempo não estava acostumado a
ver gente preta de olhos claros. Talvez tenha me apaixonado por ela naquele
momento, mas foram dez anos entre amizade, namoro, noivado até nos formarmos
para poder casar.
Tamará era tão linda quanto
amorosa, fui o primeiro homem seu, e ela quase a minha primeira. Sim já tinha
tido mulher mais com respeito, carinho e benção nunca. Nossa lua de mel parecia
interminável a cada dia a gente descobria novas formas de amar, e tantos
prazeres íntimos que eu cheguei a pensa que poderia enlouquecer a qualquer
momento.
Tamará por sua vez se entregava ao culto em nossa
igreja cada vez mais incondicional e apaixonada, sua devoção me tomava de volúpia e me excitava ainda mais, esperava sempre o momento em que na nossa
intimidade poderíamos brincar e buscar mais possibilidades dentro de nosso
sacro-sexo.
Não havia limites para nossas
carnes: No fogão, na cama, no corredor, entre as plantas, em cadeiras que se
quebravam, em qualquer chão do nosso ninho, com gritos e ranger de dentes que
só se calavam após intermináveis banhos a dois. Única coisa capaz de nos
relaxar pra gente então dormir.
O que mais eu poderia querer?
Tinha um casamento abençoado, com uma mulher de respeito, religiosa e crédula e
uma intimidade com o tradicional e também,com complementos maravilhosos onde as
línguas percorriam de mamilos a anus sem nunca comentar-se nada a esse
respeito.
Então fomos recompensados
pela providencia divina, Tamará engravidou, éramos transbordantes de felicidade
uma gravidez suave e tranqüila, vieram os trigêmeos, três meninos lindos e
saudáveis.
Aí então que fui me dar conta
das dificuldades, passei a dar aulas em três escolas. Tamará teve todo seu
tempo ocupado no cuidado e no acostumar-se com os meninos. Indo trabalhar
depois do primeiro ano de vida de nossos filhotes como professora de Inglês na
escola de propriedade de D. Nair, conselheira de nossa igreja.
Nosso lar harmonioso e sereno
tinha nossos filhos que cresciam em saúde e moralidade. Só eu e Tamará que
nunca mais tivemos nossas liberdades e permissividades, a vida foi se tornando
uma rotina pesada entre casa, escolas e igreja.
Nesse momento então começou o lastimável,
Tamará não respondia mais a minhas carícias passando a não querer mais dormir
comigo, preferindo dormir no quarto dos meninos, com a justificativa de que mãe
tem que ser devota e zelosa.
Enlouqueci! Não iria ficar me
masturbando dentro de casa, nem muito menos levar uma mulher decente como a
minha para um motel. Comecei a desenvolver pensamentos sujos quando olhava
minhas alunas adolescentes, e confesso que se tivesse dado continuidade a este
impulso teria tido com alguma delas.
Mas sou um homem cristão que
tem controle sobre impulsos satânicos, acabando que me controlei.
Foi então que eu e Tamará fomos, nos acostumando a presença morna e insípida um do outro. Ela às vezes
chorava sem motivo aparente, passou a tomar alguns calmantes receitados por um
psiquiatra lá da nossa igreja eu hoje me satisfaço sozinho quando tomo longos
banhos. Mantendo assim a austeridade de nossas vidas, os meninos já estão com
sete anos.
De algumas semanas pra cá
estamos participando de estudos bíblicos, grupo que se reuni duas vezes por
semana eu em um ela em outro, para movimentarmos nosso cotidiano sem torná-lo
uma rotina insuportável, indicação de nosso pastor (Norte americano recém
chegado).
Voltamos a nos sentir bem na
companhia do outro, numa dessas noites Tâmara se vestiu linda, ia ao seu grupo
de estudo via-se nela uma alegria que há muito eu não percebia “ordenou” então
que eu descongelasse e temperasse salsichas para os meninos comerem, pois ela
não teria tempo de cozinhar e que transferisse as roupas da máquina de lavar
para o varal, saindo esfuziante.
Eu a obedeci com prontidão e
destreza. Dei de comer aos meninos e fui logo pendurando as roupas da máquina no
varal, foi aí que algo me estarreceu. No fundo da máquina a última peça.
Uma calcinha que eu nunca tinha visto!
Aquilo me intrigou de dúvidas e ressentimentos,
fiquei remoendo pensamentos obscenos de infidelidade.
Quando Tamará voltou estava
lívida e radiante, eu no meu descontrole quis saber tudo.
Eu: De quem é aquela
calcinha, que eu nunca vi?
Tamará (cínica): Não sou a
única mulher desta casa? Só pode ser minha então, não é meu filho?
Eu (Querendo espancá-la):
Como !?!
Tâmara: Ganhei de um amigo.
Eu: Você teve coragem de
emporcalhar a mim e os seus filhos? Você é uma puta (Nunca tinha dito palavrão
na minha vida)!
Tamará: Mentira amor!
Coloquei lá de propósito pra você voltar a ter interesse por mim. Resolveu! Voltou
seu interesse.
Tá com ciumes... Que coisa linda.
Naquele momento senti um
desejo louco e uma ereção latejante avancei sobre ela, rasguei suas roupas
arrastei-a para o quarto e transamos como duas feras famintas, chegando até a
assustar os meninos de tantos gritos e ruídos. De manhã saciados passei a
observá-la nua na cama e me veio a cabeça a dúvida.
Aquela calcinha poderia ter sido mesmo presente do pastor norte americano. Ele e Tamará ficam horas falando em inglês sem que ninguém os entenda depois dos cultos, ou até mesmo presente de Dona Nair, irmã, dona da escola onde ela leciona, que eu sempre desconfiei de seu solteirismo e de uma certa masculinidade nos seus gestos, também muito amigas e confidentes.
Aquela calcinha poderia ter sido mesmo presente do pastor norte americano. Ele e Tamará ficam horas falando em inglês sem que ninguém os entenda depois dos cultos, ou até mesmo presente de Dona Nair, irmã, dona da escola onde ela leciona, que eu sempre desconfiei de seu solteirismo e de uma certa masculinidade nos seus gestos, também muito amigas e confidentes.
Por fim acabei dormindo de exaustão e gozos até
meio dia (coisa que ninguém nunca faz nesta casa), num determinado momento da
manhã fui tomado de um sono profundo e agradável e sonhei com um campo
provavelmente no interior dos Estados Unidos, onde ouvia o som de um saxofone
bem jocoso, safado e via várias folhas de outono deslizando pelo ar e caindo no solo, a última delas era no entanto aquela calcinha dançando ao vento como uma folha de
outono até repousar ao chão.
Acordei sobressaltado, respirei fundo, Tamará esta nua de lado lhe abraço, encocho-lhe por trás e voltamos a dormir
tranqüilos.
PEDRO
GUIMARÃES
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