quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Oktuberfest

                             -  Monsieigneur lépreux me contou.


É um grande amigo, nos conhecemos na adolescência, entre todas inquietações, tormentos e rebeldias que essa fase possa nos trazer, mesmo assim e talvez só por isso construímos uma amizade sólida e verdadeira, embora tão diferentes fenotipicamente, cerca de oito anos mais tarde nos encontramos, e por coincidência ou loucura tínhamos a mesma profissão.
Eu ministrava aulas, nas periferias suburbanas da grande São Paulo, ele por sua vez vez não estava disposto a "maiores desgastes", enviou seu currículo para o sul e foi lecionar entre Paraná e Santa Catarina, esperava que o desgaste seria menor, mas certos ofícios só conseguem serem mais doloridos e prazerosos que a egoísta e perversa castidade de certos religiosos.
Continuamos a nos comunicar, aliás até hoje,dessa forma soube deste peculiar drama familiar, ambientado na "Europa brasileira"; depois de um tempo em cidades distantes .Ele ironizava minha escolha, contava as vantagens de se viver no sul, mais citadino, organizado e civilizado em detrimento do eixo Rio-São Paulo caótico, desprogramada e embrutecido. Eu por minha vez ria-me muito, pois via desvantagens e frustrações na comparação das duas regiões,  foi aí, que em uma de nossas conversas ele me contou:
Havia pego aulas em uma escola de descendentes de alemães, em uma cidade na divisa de dois estados do sul, o salário era razoável, as condições de trabalho favoráveis, as instalações confortáveis, só o nível de exigência que beirava o insuportável.
A escola era de um casal, Helmut e Petra, conduziam-na com rigor e disciplina alemã do pré guerra, embora já nascidos no Brasil nutriam uma identificação maior aos modelos de rigor e eficiência germânicos, eram capazes de a qualquer momento inspecionarem a entrada das crianças e dos adolescentes, para verificar-lhes a higiene das unhas e das orelhas por exemplo, barrando os desleixados fazendo-nos voltarem para casa.
Exemplo de respeito e temor locais, apareciam sempre inesperadamente, para vistoriar ou cobrar algo que não estava sendo feito como deveria, tanto para alunos quanto para professores, gozavam de uma autoridade onipresente, como fantasmas ou assombrações, surgiam sempre quando algo estava fora das conformidades sem que ninguém os comunicasse, flutuavam sobre tudo e todas as coisas.
Meu amigo;embora de pensamento progressista e liberto, se deu bem com o casal, talvez pelo fato dele não ser dali, ou por ser filho de militares, sei lá? O que sei é, que Helmut e Petra se afeiçoavam a ele com grande admiração e por que até não dizer, certo carinho.Tudo corria bem para eles e mais ou menos três anos se passaram, foi quando então que o imponderável se fez presente.
Numa dessas manhãs quando chegava para a aula das sete, surpreendeu-se com a presença de um professor auxiliar na sala que seria sua, e este lhe avisou que fosse até a sala da dona(diretora) da escola que essa precisava muito falar-lhe.
Meu amigo então, começou a indagar se teria cometido algum erro, deslize ou desatenção que pudesse por seu emprego em risco, involuntariamente indo para a sala de Petra analisou as unhas e as orelhas; quando percebeu  que estava caindo no ridículo, cessando maiores paranóias, adentrou o recinto de trabalho desta senhora  colocando-se a sua disposição.
Ela por sua vez estava angustiada com algo que precisava ser posto pra fora. Foi aí que começou.
- Professor o senhor sabe que somos alemães, nos alimentamos muito bem, na Alemanha salsichões, strudel, eisbein aqui no sul do Brasil churrascos e massas, pois veja o senhor professor( meu amigo se perguntava aonde aquela senhora queria chegar com essa conversa). Helmut, depois de uma bateria de exames, decidiu que estávamos todos com o colesterol alto demais. Impôs uma dieta a toda família baseada em verduras e chás, as crianças quase enlouqueceram, eu por mais que tentasse não conseguia nem emagrecer, muito menos, me alimentar de acordo com os ditames que ele nos impunha.
Ele por sua vez, emagreceu, ficou mais disposto e lépido, passou a fazer ginástica e a ter um humor que só no nosso inicio de namoro se apresentava. Desconfiei, que algo pudesse estar acontecendo sem meu conhecimento, contratei um detetive particular para seguir seus passos. O homem fez o diabo, caiu de telhado,subornou porteiros, quase foi atropelado, fugiu cachorros mas concluiu seu trabalho(joga um envelope com fotos na mesa).Veja professor!
Ele então começa a ver as fotos, Helmut e uma amante, menina nova, com tom de pele cor de terra, rindo, tomando banho de chuva, chupando sorvete, em banco de praça, nadando no bosque e finalmente a foto (que pra Petra)  representou a maior traição. Helmut, sua jovem amante e toda a família da moça banqueteando-se em um rodizio de carne na estrada para São Paulo.
Foi ai que meu amigo então entendeu por que ela o escolheu para confidenciar seu infortúnio.
Petra olhando nos olhos do professor faz seu profundo e verdadeiro lamento:Pior não foi ter me traído! Pior não foi ter feito eu as crianças quase morrermos de tanto alface e beringela! Pior não é bancar a família dela no rodízio! Pior mesmo professor, foi ter me trocado, por uma caboclinha de pé vermelho e calcanhar rachada(jogando a ultima foto na mesa, onde o pé da moça foi retratado). Eu sei que o senhor mora a quarenta quilómetros daqui, bem perto daquela churrascaria, pelo menos  lá a carne é boa? 
Meses depois conversando com este mesmo amigo, ele então disse que Petra e Helmut se perdoaram e foram para uma segunda lua de mel reconciliadora em Israel para verem o muro das lamentações, pois se tem uma coisa que nunca deixaram. É de serem cristãos.

                                             Pedro Guimarães

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