segunda-feira, 28 de março de 2011

O mal da vaca louca (O nanã de taninha).

Já havia algum tempo que me encontrava preocupado com Taninha, por onde andaria? Nunca havíamos ficado tanto tempo sem nos falar, nestes quase l6 anos que nos conhecemos. Sempre fomos muito presentes um na vida do outro. Fiquei mais tranqüilo quando encontrei a Rosana na rua.
A Rosana,agora anda com uma carteirinha do psiquiatra, isto faz que ela não precise pagar condução e nem tenha que enfrentar filas. Fiquei feliz por ela, lembro dela em umas ondas de muita loucura, loucura patológica mesmo!
 Rosana então me deu a notícia. Taninha voltou a morar com a família no interior, só não conseguiu explicar se foi por excesso de piração ou por falta de trabalho, mas no papo rápido que eu ela tivemos uma coisa me fez rir muito, imaginem que a família da Taninha arrumou um noivo pra ela lá da cidade deles. Cheguei até a chorar de rir.
 O que estas famílias não fazem para tentar tapar o sol com a peneira? Imagina Taninha noiva? Eu hem?!? Não vou nem telefonar. O chato é que sinto sua falta, conheci poucas como ela.
A gente se conheceu em uma festa de uns filósofos, uma casa legal. Com muitas idéias transgressoras, música alta, bebida barata, banhos coletivos, tesão no ar, parecia que nos conhecíamos todos desde a mais tenra infância, buscando liberdades absolutas. Mil gentes.
Taninha e eu começamos a conversar intimidades tão profundas que o passo seguinte foi dançarmos certa música de uma outra banda de vanguarda, onde nos jogamos e rolamos um sobre o outro no chão simulando um sexo faminto e espiritual, a festa toda nos aplaudiu e pediu, mais. Não poderia começar de outro jeito uma amizade tão gostosa.
Eu acompanhei os anos de sua vida e fui testemunha do tanto que ela foi se transformando numa mulher libertária e sensível.
Sim, pois naquela época, ela ainda tinha muito forte o balé e as aulas de piano no corpo, uma postura assim de menina burguesa com todas as vicissitudes para se casar com um tipo engenheiro ou coisa parecida ,assegurando-lhe uma prole saudável e dominante.
 Mas algo a perturbava, eu percebia isso, queria mais para ela, e para o mundo. Ficamos algumas semanas sem nos ver, depois de tudo aquilo e quando nos vimos pela Segunda vez, ela feliz e afoita foi logo me contando do quanto estava absorvida com as lembranças da sua primeira transa.
Com treze anos, numa praia do litoral paulista.
 E que o cara tinha tido um “casinho” com o Cazuza na época, ela sequer tinha noção de quem era o Cazuza. Mas estar com um cara que transasse com mulher e com homem tranqüila e abertamente era algo que a excitava mais do que o próprio fato de estar perdendo a virgindade.
Admitia que ainda sofresse um pouco, com as deformações nos pés causadas pelas aulas de balé clássico, sua professora era Russa e exigia até a última gota de sangue das alunas, sentia-se feliz em dançar. Mais sabia que algo teria que mudar, que a dança na sua vida não poderia ser, somente aquele recreio de campo de concentração.
Ainda tomava remédios, quando nos conhecemos e pela primeira vez havia ido morar em outra cidade, o noivo não aceitou o relacionamento a distancia, e rompeu tudo. Isso a fazia sofrer, e os comprimidos davam-lhe um conforto que a maconha e a cocaína nunca conseguiram; aliás, ela nunca suportou nem maconha nem cocaína adorava os farmacológicos, dizia serem mais “gostosinhos” e que, haveria de chegar o dia em que todas as pessoas do mundo só usariam estes, não precisando mais existir nem traficante nem policial.
 E sonhava com este dia mais do que com qualquer vitória do Brasil em uma copa do mundo.
Eu particularmente nunca me agradei com remédios, mas sou obrigado admitir que eles a deixavam tão suave, que não tinha coragem de repreendê-la. E aquele seu estado de rir e chorar ao mesmo tempo de quando começamos a andar juntos, estava se tornando coisa do passado.
Havia também outra coisa que me divertia e me intrigava em nossa amizade: era como as pessoas quando nos conheciam entregavam-se a contar-nos coisas de sua intimidade mais profundas, o que às vezes nos assustava. Pois nunca sabíamos se era por simples inspiração de confiança ou; se por algum tipo de tara que a gente despertava nos outros.
E o tempo assim foi nos tornando cada vez mais amigos, ela em pouco tempo parou de tomar os remédios e passou a beber, já admitia que a música do suldeste asiática lhe fazia melhor do que a missa dos domingos. Começou a namorar um estudante de engenharia, um músico de orquestra sinfônica, um jogador de futebol mirim, um artista plástico que fazia suas obras com insetos embebidos no querosene e um professor de filosofia.
Numa destas noites onde nos encontramos para beber e conversar, ela pediu minha opinião muito importante (para ela), sobre uma grande dúvida. Sentia a necessidade de melhor conhecer a condição humana, nunca houvera transado com um trabalhador braçal, um negro ou um nordestino. E isso a fazia vazia e distante da realidade do país e do entendimento das coisas, e do sonho de poder um dia mudar o mundo para uma realidade mais justa e bonita. Indagando-me sobre o que eu pensava disso? Eu por minha vez lhe incentivei a buscar experiências e sentidos mais abrangentes e preenchedores para seus interiores dizendo-lhe: Não acredito em mulher, abastada e branca, que nunca foi ou que não tenha desejado ir pra cama com índio, nordestino, negro e japonês.
 Neste momento não tive a idéia da força do eco de minha fala em seus ouvidos, eu mesmo confesso que falava com certo deboche e demagogia, ela, no entanto quando chegou à sua casa jogou fora às sapatilhas.
 Ficamos por mais algumas semanas sem nos encontra, porém quando a revi, percebi que algo havia se rompido, ou começado em suas grutas interiores, o tempo todo indagava a mim e as outras pessoas sobre cultura indígena, negra, samurais, bois-bumbás e maracatus.
Um novo mundo havia para ela se descortinado e, um apetite voraz havia se apossado de seus lábios vaginais. Impulsionando esta moça a mascar toda sorte de tipos étnicos que o Brasil oferece, e contemplando uma felicidade seguida de uma placidez, após cada novo banquete, só possível de ser comparada a de um monge tibetano ou a um santo martirizado com aquela sensação de obrigação cumprida para com o humano e o divino.                                     
Passou a negar tudo aquilo que entendia como imposição européia. Nosso contato tornou-se cada vez mais estreito, pois eu de minha parte comungava com ela pensamentos e atitudes, vivíamos uma fase de interação de sentidos e mucosas com todos os seres do planeta desde que não fossem ou que não compactuassem com o pedantismo da hegemonia eurocêntrica, judaico-cristã.
 Taninha tornara-se surpreendentemente versátil, sempre que eu a encontrava apresentava-me alguém novo do seu eclético cardápio: Um japonês da yakuza, um negrão que falava alemão, morenos da capoeira, batuqueiros de maracatu, maranhenses tocadores de “onça”, um loiro pai de santo, um índio ator de uma reserva mato-grossense e, quando eu imaginava que ela já havia superado tudo, apresentou-me um casal de sapas gostosas com as quais ela somava brincadeirinhas.
Taninha então neste momento havia se tornado uma espécie de Dalai Lama, uma grande puta sagrada, que eu seria capaz até de brigar se visse alguém a destratando ou mesmo lhe censurando.
Mas como a vida só nos dá como fartura nas argrúrias, no auge deste momento que todos vivíamos, ela resolve se apaixonar por um rapazinho que só se vestia de preto, que se recusava a tomar sol, para afastar de uma vez por todas sua ascendência afro índia, cabeludo fanático por hard rock que, exercia total controle sobre minha amiga e ainda a torturava física e psicologicamente, um porco-espinho esquizofrênico.
Eu por minha vez afastei-me dela e de seu maridinho corvo, me devotando a continuar com a peregrinação de divulgar esta prática-rito exercício de liberdade que até hoje acredito.
Passados três anos recebo um telefonema (mensagem gravada) que não compreendi nem o significado e muito menos a procedência, mas após ouvir a gravação atento várias vezes percebi se tratar de Taninha, que me convidava para assistir um tal espetáculo de dança, no qual ela fazia uma personagem. Titubeie em ir assisti-la. Encontrava-me cético com as pessoas me pegava maldizendo a humanidade sozinho, e dizendo o quanto não valia mais a pena o esforço para gozar pecadinhos com as pessoas. Isso me assustou muito, e então numa tentativa de mostrar a mim mesmo que ainda haveria um pouco diversão na vida, resolvo ir assistir o espetáculo da minha grande amiga.
 No teatro me comovia com cada entrada de Taninha, ela fazia assim um personagem forte uma entidade antropomorfa meio vaca meio mulher, que na sua condição de mulher havia jurado nunca mais amar homem algum somente os bois, eu sentia tanta verdade no seu trabalho que chorei torrencialmente com a dor daquele personagem que ela fazia (embora me assuste a idéia de amar animal castrado).
 Ao término da apresentação eu precisava ver minha amiga fazer as pazes, saber a seu respeito. Enfim tinha fome de notícias e da presença de Taninha e isso levou-me a procurá-la. Quando nos revimos nos beijamos, nos xingamos e fomos logo tomar um banho juntos para que todos segredos-confidência fossem colocados na pauta do dia.
Neste momento então, me contou que a construção da personagem mulher de boi que eu havia a visto fazer, tinha sido resultado de toda uma pesquisa em terreiros de candomblé e viagens para os sertões do Brasil onde participou: de toadas, cirandas e ladainhas. Foi aí que eu quis saber se ela havia então se elevado à condição mulher vaca?
 E ela com entusiasmo corrigiu-me dizendo que mulher de boi e mulher vaca são coisas diferentes. Rimos, choramos e conversamos foi aí então que ela disse haver se separado do urubu torturador, pois ele a mantinha em condição de subjugação total, por ela ser mulher. E a traía com um amigo dela bailarino bem dotado de Santos. E quanto isso a feriu e a fez refletir sobre muitas coisas. E que a única boa herança do fim desta relação havia sido o “nanã” (pinto de plástico feito sob encomenda) que havia ficado com ela.
 E neste momento novamente preocupei-me com Taninha. Pois acabava de me contar que estava namorando um ator pornô, e que nunca um homem havia sido tão verdadeiro com ela, pois já o havia visto em filmes transando com outras mulheres, travestis e homens. E que sendo assim não teria nenhuma surpresa desagradável no futuro, já que as cartas estavam colocadas na mesa desde o inicio e que o sexo entre eles era muito bom, e ele não se opunha ao uso do nanã na relação; muito pelo contrario até gostava. Ou seja, nunca tinha tido “com homem” relação tão verdadeira.
Confesso que fiquei feliz por Taninha estar amando, mas me preocupou este namoro dela com um michezão. E novamente por algumas semanas como nos velhos tempos ficamos sem nos ver, porém, eu fui me angustiando, com a falta de notícias e resolvi visitá-la. Iria fazer às vezes de irmão e pôr este profissional do sexo para fora da casa dela, afinal de contas um cara assim pode ser um maníaco, assassino a gente nuca sabe.
Enchi-me de coragem e lá fui. Quando cheguei em sua casa para minha surpresa ela estava jogando baralho com o computador. Entrei esbravejando:
Eu-Cadê o vagabundo?
Ela- Quem?
Eu- O que está morando aqui com você. Oras!
Ela-Foi-se.
Eu- Você esta escondendo este canalha, já basta eu ter engolido aquele
Urubu torturador. Mas um garoto de programa eu não vou aceitar. Te interno em um hospício!
Ela- É sério mandei embora.
Eu- E não te levou nada? Está tudo bem com você Taninha?
Ela-Tudo?!? Tudo bem ,transar com outras mulheres, comigo transava bem. Tudo bem fazer filme pornô; comigo transava bem; tudo bem transar com travesti e com homem; comigo transava bem; Mais pedir o meu nanã emprestado. Não! Isso eu não aceito (começa a chorar e se joga em meus braços).

 Pedro Guimarães

5 comentários:

  1. Quero um nanã pra mim também!

    ResponderExcluir
  2. ...o quanto mais não valia a pena gozar pecadinhos com as pessoas...gostei...corajosamente real! bjs bls

    ResponderExcluir
  3. Pedrão, achei você!!
    Lá do bar do Fábio, lembra, lembra?

    Bjão

    ResponderExcluir
  4. Pedro. Sua prosa é muito boa. Os retratos dos encontros dos personagens se somam em crescimento no interesse de quem lê, graças as cores picantes disfarçadas de desinteresse dos personagens sobre a volúpia e a valorização interessadas na amizade, no afeto entre eles. Valeu.]

    ResponderExcluir