quinta-feira, 18 de novembro de 2010

PÁRA XICA


Ela foi uma criança alegre, serelepe e saltitante. Mesmo com seus quilinhos a mais, era só alegria e disposição. Por volta de 1981, fazia sua quinta série. Não demorou muito para que garotos de alma sebosa começassem a encrespar com a pobre criança, faziam-lhe insultos com relação a sua cor, seu peso e seus trejeitos.
Ela sofreu muito naquele momento, a infância não é só candura para as crianças. Teve medo, chegou até em pensar no isolamento. Mas havia algo mais forte que lhe gritava das grutas interiores. Tinha alma de artista, acompanhava as novelas, sabia imitar seqüências inteiras de diálogos das atrizes, conhecia de cor as trilhas e já freqüentava programas de auditório, levada por sua irmã mais velha que houvera recém chegado moçinha do Pernambuco.
Alguém com este perfil não iria deixar se abater por assédio moral de garotos chinfrins, ela própria preferia o assédio sexual.
Admite que foi forçada a se entregar para três moleques no banheiro da escola. E que depois deste episódio percebeu que poderia ser respeitada. Por uma estranha razão perdeu o medo de todos, passou a revidar todo tipo de insulto e provocação, se apoiando na sua estrutura física avantajada descia o braço nos agressores, jogava coisas certa vez até tentou furar um antagonista com um lápis bem afiado.
Essa frágil e entristecida criança houvera se tornado referência entre os jovens daquela escola, era tão temida como os “bandidinhos” locais. Passou então a experimentar desacatos e contravenções, o shortinho agora era curto e apertado, camisetinhas não lhe cobriam a barriga, ninguém mais tinha coragem de dizer nada.
Como ela própria diz havia se tornado maloqueira /putinha como forma de defesa e reação a tudo que sofrerá, nessa altura terminando a oitava série, já havia sido apresentada aos cinemas pornô do Anhangabaú e da av. são João, passava horas do dia ali atendendo transeuntes, romeiros, retirantes, policiais e toda sorte de peões.
O PT estava sendo fundado, ela não tinha idéia disso ; mais amou a classe trabalhadora mais que toda a esquerda brasileira daquele fim de ditadura.
Mesmo louca nunca abandonou sua parcimônia, estudiosa carregava os livros e cadernos na dobra interna do cotovelo junto ao peito, desfrutou-se mas terminou seus estudos cursou literatura na Pontifícia universidade católica.
Nos dias atuais continua a defender a idéia de que foi graças à discriminação e bolinação (o bulling da época) que se tornou uma das maiores contribuintes do pornô nacional , interagindo com os filmes em tempo real nas salas de cinema ,ao mesmo tempo que tem muito orgulho em ocupar a função de pedagoga numa renomada escola da grande São Paulo, também é jurada de concurso de “pau” e ,nunca se rendeu a tentação de se transformar em travesti, pois convites e oportunidades nunca faltaram a ela.
Sim vestiu –se de mulher muitas vezes e ainda o faz se necessário !Mas como um soldado varonil que volta quase morto da guerra sem desertar, ela nunca se tornou definitivamente uma trava.

                                     PEDRÃO GUIMARÃES                                            

 

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