quinta-feira, 14 de outubro de 2010

NEVER BISC...

Quarta-feira, dia nublado com muito calor, mormaço “brabo”. Bi saía de sua casa, como de costume todos os dias, para o trabalho; sentia-se linda, colocava uma roupa provocante para despertar os desejos masculinos. Negrona forte de quadril avantajado e formas definidas, uma típica gostosona, houvera tido na noite passada, sonhos embriagadamente sensuais; sentia-se livre como passarinho em início de primavera e, de fato, era primavera. Gozava de uma felicidade tamanha que não hesitou em colocar o mais provocante de seus batons, vermelho morango, que até cheirava a fruta – fruta esta, tão sedutora. Preta vaidosa, se cuidava muito: adorava sentir-se desejava. Embora gorda, mantinha formas altamente apetitosas.
            Acordava sempre cantando sucessos do axé e pagodes maneiros tipo: Ele vai dar uma cacetada na barata dela... E cantava afinada e no compasso. Bi era realmente uma negra de encher os olhos e sabia disso, abusava de seus modelitos pouco ortodoxos e era de uma gentileza admirável.
            Nesta manhã trajava uma blusa transparente, sutiã lilás que realçava ainda mais a beleza de seus apetitosos seios; a ousadia era marcante em sua personalidade, mini roxa e um sapato vermelho como pedia seu batom. Cultuava perfumes doces de aroma marcante. Estava ansiosa pois o grill onde trabalhava ofereceria neste dia um almoço para empresários norte-americanos da Amway, preocupou-se tanto em produzir-se que acabou perdendo o horário, sendo obrigada a tomar um táxi.
            Estava tão empolgada com este almoço, que arriscou seu parco inglês com o taxista:
- Please, Mister...
Parando o táxi ao entrar, cumprimentou-o:
-          Good morning, sir! How are you?
O taxista assustado não sabia se retribuía a saudação ou se só olhava para aquela boca vermelha morango. Ela então disse:
-          Hey mister, let’s go to Bussanhas Grill in Jabaquara, please.
O motorista pergunta:
-          Aquele próximo ao metrô?
E ela só resmunga:
-          Hum-hum...
E seguem absolutamente calados. No percurso o som do rádio tocava Bethânia:
-          Eu gosto de ser mulher...
Chegando ao Bussanhas, trabalhou com afinco e empenho, deixando impressionado o patrão. Quando chegaram os gringos, fez de tudo para ser notada; tirou o uniforme e trabalhou com a roupa que saíra de casa naquela manhã. Estava em felicidade plena. Mesmo sem uniforme nunca agradou tanto ao patrão, e de fato, foi muito bem tratada pelos gringos. Também com todo aquele aparato foi fácil agradar e ser notada. Seu dia, ao que tudo indicava já estava ganho, fora assediada, elogiada e cobiçada por quase todos; já se sentia uma senhora norte-americana, prestes a realizar seu grande sonho de morar em Miami Beach. Tudo se encaixava perfeitamente, servia a todos com descontração e alegria. De repente, sente o romper de uma das alças de seu sutiã: Zaapt... ela, no seu susto sussurra: Hããã...???? Um pouco desconcertada com os seios quase à mostra falou:
-          Just a moment, please!
Quando Charles, americano gostosão do canto da mesa lhe perguntou:
-          What’s your name, beauty?
Ela respondeu num impulso de total incômodo e encantamento, segurando a alça do sutiã:
-          Bi ! E saiu em direção ao vestiário praguejando aquele sutiã que houvera pago uma fortuna no shopping.
No vestiário percebe que teria que costura-lo, vai à cozinha, pega agulha e linha começa o trabalho. Tenta ser a mais rápida possível; porém, o ato de despir-se, costurar, vestir-se, toma-lhe muito tempo. Também não poderia ser de outra forma, vaidosa como era. Assusta-se no momento em que o patrão bate na porta perguntando:
-          Bi, Bi, Bi...tudo bem? Você foi magnífica, vou te dar um aumento, os gringos te adoraram.
Ela de dentro do banheiro assustada, responde:
-          Como assim? E o patrão em seguida fala:
-          Eles te adoraram, não te esperaram pois tinham compromisso. Voltaram para os EUA, mas Charles te deixou 150 paus de gorjeta, não é muito legal, Bi?
Bi começa a chorar e arranca o sutiã, ajoelha-se em frente ao vaso sanitário amaldiçoando aquele lindo sutiã lilás e prometendo nunca mais usar sutiã algum, e em seguida num ato impensado, joga-o no vaso apertando a descarga. Chorando compulsivamente exclama:
-          Eu não acredito. E chora um choro amargo de quem prefere mais a morte à ausência de algo desejado.
Após saciar sua dor, lava o rosto e sai do banheiro intimando o patrão:
-          Luis, minha grana...!
Bi se encontrava enraivecida, não se preocupava com nada. Seus seios estavam aparentes mas não se importava. A dor da perda era maior.
A garota estava irada. Totalmente enlouquecida, pega a grana e sai fora. Na rua liga para uma amiga, bailarina da Unicamp, branca que se considera negra, amiga e confidente de Bi, e diz somente uma coisa:
-          Me encontre no bar da Claudinha.
Desligando o telefone toma um trolebus. Entra no ônibus com uma expressão de insanidade e ódio, mesmo estando com os peitos à mostra, ninguém se atreve a dizer nada... Começa a chuva na cinza São Paulo; o transito para, Bi nervosa sente vontade de espancar o motorista. Parecia que estava com algum demônio no corpo – Charles voando para os Estados Unidos e ela num busão sujo e fétido, com 150 paus no bolso. Descontrola-se e berra:
-          Acelera, Airton..., assustando o casal de velhinhos sentado à sua frente.
O motorista, por sua vez, não dava a mínima. Bi, na sua raiva, não media conseqüências. Ao passar na roleta gritou para o cobrador:
-          Tá olhando o quê? Não sou da sua família.
O cobrador assustado responde gaguejando:
-          Nem te conheço, mulher. Ela, com o dedo em riste, responde:
-          Mulher é tua mãe! Me respeite que sou moça.
Apesar de ter trabalhado horas não sentia cansaço, fazendo questão de ficar em pé todo o trajeto, quando se aborrece ainda mais com o trânsito e resolve descer para tomar um táxi, dando sinal e gritando ao motorista:
-          Pára esse lixo que eu vou descer! E realmente desce, escutando o sussurro do casal de velhinhos dizendo:
-          Que Deus te acompanhe, minha filha! Na rua, embora garoasse, não ficou incomodada, andava como um soldado de um filme de guerra, exclamando:
-          E sou lá mulher de 150 dólares, é só isso que eu mereço? resmunga consigo mesma por cinco minutos naquele calçadão molhado e escorregadio. Sua blusa, que era transparente, com toda a chuva que caíra ficou tão colada ao corpo que ela parecia estar nua, arrancando buzinas e assobios no trânsito. Indignada, só respondia:
-          Mas não é para o seu bico! Pára numa esquina e grita: Táxi!
De repente um carro com quatro caras dentro acelera em sua direção.
Enquanto isso na Bela Vista, mais precisamente na casa da bailarina da Unicamp, que é branca e que se considera negra, amiga e consultora de Bi, tudo parecia normal. Ela tomava um banho, ouvindo uma musiquinha instrumental e andava serelepe pela casa olhando-se pelada diante do espelho escolhendo um sutiã e uma calcinha para usar naquela noite. Numa liberdade de cisne, sussurrava aquelas lindas canções. Já vestida foi até a sala e fez algumas ligações convidando outros amigos para se encontrarem com ela e Bi, no bar da Claudinha. Voltando ao banheiro, passa seu perfume preferido e resolve ir embora. No elevador, seu perfume reinava absoluto, quando apitou o térreo e a porta abriu-se sentiu um inexplicado calor espalhar-se por todo o seu corpo. E percebeu estar suando muito, voltou assim para casa, sentindo a necessidade de tomar um novo banho. Ao entrar exclamou: Que coisa esquisita, tratando logo de providenciar seu banho de assento com ervas medicinais e aromatizadas, acendeu um incenso. Enquanto banhava-se cantarolava pontos de um certo terreiro que eventualmente freqüentava.
Do outro lado da cidade, Bi se encontrava exposta ao ataque daquele carro com quatro vagabundos, que ao se aproximar dela um deles joga um pedaço de ferro em direção da cabeça de Bi e grita:
-          Biscateeeeee!
O grito ecoou tão forte nos ouvidos de Bi que esta quase não percebeu que o ferro por pouco não lhe acerta a cabeça. Assustada sentiu-se frágil e indefesa diante de tal ofensa. Entrou em transe e saiu correndo, trôpega, com aquele maldito som ecoando em seus ouvidos: ...cate...cate...cate...cate... E a moça cai em uma poça d’água gritando:
- Nããããoo...
Quando tudo parecia perdido, Joãozinho, taxista da porta do bar da Claudinha, acostumado a leva-las bêbadas para casa nas suas prazerosas madrugadas voltava de uma corrida e avistou Bi ali quase desfalecida. Pára o carro, pega-a pelo braço e pergunta: Que houve, minha filha? Impressionado com o estado em que se encontrava a moça. Ela responde:
-          Acabei de sofrer um atentado (em prantos).
Ele então se oferece para leva-la até a casa da sua amiga bailarina da Unicamp, branca que se considera negra, amiga e confidente de Bi. Bi não falou uma palavra sequer durante o percurso, apenas chorava e soluçava. Chegando na casa da amiga, que por coincidência ainda se encontrava lá, em função do imprevisto banho que tivera que tomar novamente. A bailarina escutou uma batida na porta e perguntou:
- Quem é? Ouve a voz do taxista dizendo:
-          Sou eu, o Joãozinho Taxista, sua amiga passou mal na rua.
Ela abre a porta assustada e pergunta:
-          O que aconteceu, Bi? Bi então responde soluçando e apertando a cabeça:
-          Tentaram me matar...! abruptamente recupera o controle e olhando nos olhos da amiga num átimo de revolta e determinação desabafa:
-          Mas de uma coisa tenho certeza: biscate jamais!!! Desmaiando em seguida nos braços da bailarina da Unicamp, que é branca e que se considera negra, amiga e consultora de Bi.

FIM
                  Pedro César Ribeiro Guimarães & João Fabio Cabral     1997

Nenhum comentário:

Postar um comentário